quarta-feira, 28 de março de 2012















tina sosna










queria de ti um país de bondade e de bruma
queria de ti o mar de uma rosa de espuma

mário cesariny









perguntam-me porque tenho medo. do frio. da noite. do mundo. de mim - não lhes sei responder - acho que a resposta está nas pessoas que amei e que de certo modo me deixaram - ninguém pode dizer que foi inteiramente feliz mas foi feliz que chegue para continuar andando rumo ao futuro - o futuro. isso já é outra história. a ser falada depois. se não me morrer a boca - tinha o sonho de ser feliz. como toda a gente. mas dizem-me que a felicidade não mora no meu país - nem tem de morar. que a felicidade vive e morre por dentro. no corpo.














domingo, 25 de março de 2012








tatiana lëshkina







Um homem tem que viver.
e tu vê lá não te fiques
- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.

Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.

Cheio de luz - como um sol.
Beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio de miostérios e imprecisões.
Engolirá fogo.

Palavra,
um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precariedade de todos os nomes)
o começo apenas.

fernando assis pacheco








a gente passa. o tempo. a vida. sem se dar conta - esses amores que a gente tem ninguém os sente. esses sonhos que a gente quer ninguém os sabe - a gente vive só. somos de nós. ninguém nunca soube onde nasce a felicidade - se deus tivesse inventado um céu mais perto. talvez na terra as pessoas se amassem. melhor. mais fácil - a gente passa. o tempo. a vida. a gente morre sem conhecer o caminho certo. depois é tarde demais. tarde de menos. e ninguém foge. não há para onde fugir quando o coração pára.





segunda-feira, 19 de março de 2012









lasar segall







O que eu queria dizer-te nesta tarde
Nada tem de comum com as gaivotas.



sophia de mello breyner andresen





dizem que é preciso uma vida para percebermos a serenidade do mundo - nem uma vida me há-de trazer a serenidade do mundo. e só quando conversamos tenho esperança no futuro. acredito no teu rosto quando a minha boca diz: está tudo bem - ainda há gaivotas no mar. ainda há mar. ainda há por onde fugir - um abraço josé. podias ser jorge ou antónio. como esses senhores que lês ao silêncio de bach. no teu escritório.












domingo, 11 de março de 2012










laura makabresku










e pergunto porque estou vivo:
por amor de vinte e três palavras mais ou menos loucas,
glória às uniões inalcançáveis,
eu fodo, se me dão licença,
numa língua que vem com a fúria combustível
dos fundos da
língua portuguesa, só fodo nela,
por paixão,
matricialidade,
monogamia,
por conhecer linha a linha o corpo que se move,
a luz que levanta,
o ar que consome,
o que faz às pessoas quando dele se aproximam,
só isso me interessa naqueles com quem fodo,
ígneo donaire,
dom,
alerta,
décimo sexto sentido,
poucos poderes de salvação e obra mas
estrela muitíssima, tremenda, às labaredas,
a dança dionisíaca já dentro do abismo,
que se foda em alta língua,
é um mistério,
venha ser inadmissível, luminoso, fêmea, empolgante, grego,
quero eu dizer:
fodam comigo no mistério das línguas,
obrigado


herberto helder





tinha sido uma bonita criança. corpo pequeno, braços estreitos, cabelos muito loiros longos, presos ao caco da cabeça por uma laço de cetim mal dado. as pernas muito tortas quase tapadas por um vestido velho e branco. de dia sonhava, assobios vários na boca, falava com os pássaros, passeava o interior do corpo, onde a pele não chega. assim fora durante anos até se tornar uma mulher deserta. costumava sentar-se em árvores de ramos baixos, a quem contava longas histórias, inventadas na hora pela aflição de ter o que dizer, não suportava o silêncio. um dia encontraram o seu corpo à tona de água, como morto. pés descalços e sujos, pele muito roxa, nas mãos um ramo de malmequeres. gritaram. a menina sobreviveu, tinha ido dar de comer aos peixes dissera: os peixes comem flores, não sabias?