quinta-feira, 26 de julho de 2012




























nina sawinska








O mal vem aos rostos e mata o coração.
Tivemos de aprender a dor civicamente:
o olhar ferido por inexpressões
o assobio das faces carcereiras
essa armação da voz, as predações
 – e sempre tudo dentro
de espelhos verdadeiros, salões de festas, lustres…
  carlos poças falcão










é julho. de tempestade. lá fora o vento e a chuva e os dias quentes. não há onde guardar o coração - lembro-me de ti por ser verão. eram nossas as estações mais quentes - e tenho saudades tuas - tu corrias. o sol a estalar a pele. doce de marmelo. limonada. água fria.cevada com bolachas maria. dor nas pernas. escondidas. um baloiço - verde. muito verde - do que mais sinto falta é do teu sorriso. as gargalhadas e os vestidos curtos a bater na anca - dizias: na próxima vida quero ser um pássaro - e és. o mais livre pássaro que o mundo conhece. com o mais livre voo.




segunda-feira, 23 de julho de 2012









 Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
 Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa

 sophia de mello breyner andresen





 quando acordei o mundo como o conhecia tinha acabado - para além dos olhos uma linha de fogo e o desejo de que do fumo se fizessem nuvens - tenho acordado assim. não sei do mundo. do que ele era quando nos conhecemos ou quando sobre nós caiu a certeza de um final feliz - parto hoje para outro mundo. um mais pequeno mas com mais pessoas dentro. minha vontade é encostar o peito às árvores e dormir segura - quanto ao futuro nem sei. talvez não exista








quinta-feira, 19 de julho de 2012




laura makabresku








 Um dia, em miúdo, ao fim da tarde, achávamo-nos na quinta e um bando de pássaros levantou voo do castanheiro do poço na direcção da mancha da mata, azulada pelo início da noite. As asas batiam num ruído de folhas agitadas pelo vento, folhas miúdas, fininhas, múltiplas, de dicionário, eu estava de mão dada contigo e pedi-te de repente Explica-me os pássaros.
  antónio lobo antunes





 quase sempre só. nem o corpo o sente quando a vida bate - a história começa onde o fio termina e a vida está por esse fio presa - já tarde lembro o teu rosto e tudo é feito de paz. como nos dias de outono quando me dizias que tudo passa - tudo passa - e eu sorria porque acreditava que passar era uma coisa tão boa quanto ficar. eu que não sabia o significado nem de uma nem de outra - talvez tenhas partido cedo demais para a morte. mas que importa isso. se tudo passa e pouco fica. e o que fica é a memória - com tempo a memória perde-se e o teu rosto só se descobre em fotografias.



terça-feira, 17 de julho de 2012





rebecca rijsdijk




e peço ao vento: traz do espaço a luz inocente das urzes, um silêncio, uma palavra; traz da montanha um pássaro de resina, uma lua vermelha. oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos, casa de madeira do planalto, rios imaginados, espadas, danças, superstições, cânticos, coisas maravilhosas da noite. Ó meu amor, em cada espasmo eu morrerei contigo.
herberto helder




por ser verão e não saber dos pássaros ou por à tona de água ver morrer os peixes. por ser verão e já não estares comigo e assim será enquanto a vida dure - de certo habitas as nuvens. terás uma casa feita de memórias. pesadas. dessas memórias que dizias que te comiam o corpo - quero acreditar que em algum lugar estarás melhor do que eu. rodeada de anjos. ou pássaros. daqueles que tu gostavas. dos que cantam por estar frio e dos que cantam por ser calor - quero de ti para ti o melhor lugar do mundo. que te lembre dos meus abraços e que estejas em paz como eu procuro estar sem ti - às vezes. de noite. procuro-te. mas já cá não estão os teus cabelos. nem a tua boca. nem os teus ouvidos que levaram todos os meus segredos. e o teu corpo é um pedaço de sombra que se desfaz quando a manhã principia.


segunda-feira, 2 de julho de 2012







bella kerstens















caminhar no deserto, reencontrar a magia das palavras e usá-las com maior ou menor inocência, como se as usássemos pela primeira vez, como se acabássemos de as desenterrar das areias. as palavras, esses oásis envelhecidos que me revestem o corpo como um trapo que sempre me tenha pertencido... [...] a partir desse momento acumulei infindáveis cadernos escritos; era esta a única maneira de remediar o medo e de não possuir nada, e de ter possuído tudo.


al berto














não sei o que têm os pássaros quando em bandos voam mundo fora. vão libertar paisagens - noutro lugar também hei-de ser pássaro e as minhas asas rasgarão a pele de claridade e sol - vou. talvez não regresse. que os dias são bons em viagem. porque o corpo só não sente - um dia tudo há-de voltar a estar no lugar correcto e os pássaros voltarão a casa - por agora basta-me saber que em algum lugar alguém me espera