sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013







heiner luepke







 'Por que é que havia de me sentir sozinho? Raras vezes na minha vida, desde que me lembro de mim, tive um sentimento de solidão. E não me sinto mal na minha companhia, divertimo-nos muito os dois, eu e eu. Não me aborreço' 
antónio lobo antunes









para dentro da noite levo o corpo. de corpo feito vou com o passo certo de quem conhece o abismo - são meus todos os precipícios da terra. sempre tive um fraco por grandes quedas. como quando encostava o corpo à ravina e deixava o sangue doer-me na ponta dos dedos - as noites existem para que se cumpram os dias e os anos e a vida -












quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013






anna ådén 










 pouco mais há a dizer, caminho largando os últimos resíduos da memória. fragmentos de noite escritos com o coração a pressentir as catástrofes do mundo. a grande solidão é um lugar branco povoado de mitos, de tristezas e de alegria. mas estou quase sempre triste. algumas fotografias revelam-me que noutros lugares já estivera triste, por exemplo, no fundo deste poço vi inclinar-se a sombra adolescente que fui. água lunar, canaviais, luminosos escaravelhos. este sol queimando a pele das plantas. caminho pelos textos e reparo em tudo isto. o que começo deixo inacabado, como deixarei a vida, tenho a certeza, inacabada. o mundo pertenceu-me, a memória revela-me essa herança, esse bem. hoje, apenas sinto o vento reacender feridas, nada possuo, nem sequer o sofrimento. outra memória vai tomando forma, assusta-me. ainda quase nada aconteceu e já envelheci tanto.


al berto






és do mundo. estou certa que me lembrarás como um lugar que existiu para que fosses feliz - quando partiste não permiti aos olhos chorar-te mais que um dia. os olhos não podem assim chorar por quem não lhes quer bem - às vezes. de madrugada. imagino como seria se ainda aqui estivesses. se o meu corpo te reconheceria - fico. só queria um pedaço de céu onde encostar a cabeça. um pedaço de terra que se fizesse ilha - há noites tão noites. tão escuras. que o deserto do mundo me sobe à cabeça - não minto. percebo quando o corpo se sente só. por ser assim simples. é quando a mão está fria. quando o corpo sem pele. quando a boca dói no limite dos lábios - fechar os olhos e deitar o mundo. adormece-lo em sal.





segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013







anna ådén













O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher

 ruy belo






sinto o frio nos ossos e uma dor aguda a subir-me pelas costas. já no caco da cabeça - não quero pensar. digo - o meu corpo é um animal que foge. de encontro ao tempo. de encontro ao mundo. por fora da vida - onde estavas quando em mil novecentos e oitenta e sete a menina nascia. encolhida de sangue e frio. era novembro e a mãe fugia - está frio.