ezgi polat
De que nos serve, no sábado à noite, quando a solidão
dos abandonados vem ter connosco à mesa dos cafés,
termos sido aquele a quem se disseram palavras de amor,
terem-nos tocado e olhado, esperado por nós,
enquanto ao longe os automóveis passavam, as pessoas,
apressadas, continuavam a procurar, febris, a felicidade?
Rompem-se as cordas, soam nos rios tristes da memória
os sinos da miséria e da escuridão. E se chove,
a melancolia que nos oprime já não se dilui nessa água suave.
A rapariga que podíamos ter amado, a última,
contempla as folhas verdes das árvores, sorri,
e imagina, sentada ao nosso lado, uma alegria dolorosa,
sem pensar em nós, distraída da densidade baça do nosso olhar.
E à uma da manhã, quando o cansaço vem,
e no espelho da casa de banho de um bar o rosto
se nos revela atormentado, os poros gordurosos,
dirigimo-nos devagar para a saída, dizemos boa-noite,
e é só nossa essa morte secreta, esse abandono.
joão camilo
na construção dos dias felizes o teu rosto. como um silêncio que a tristeza não reconhece - neste fim de tarde. tão sossegado. os meus braços caídos como dois galhos pesados de frutos. despeço-me de ti - a verdade azul púrpura. entreaberta de nuvens. a afirmar-se gélida na pele - sei que morreste. a esse respeito nada direi - quatro anos passaram desde a tua morte e a minha vida sempre a mesma. tão só me vejo. tão sem nada. que não me sinto já com forças para construir a casa na árvore. que me prometeste quando fiz cinco anos. que te prometi quando fizeste oitenta - os anos passam tão perto de nós. tantas marcas tenho hoje na pele - há meia dúzia de anos a promessa da árvore fazia sentido. tinha em mim a força de mil homens. a habilidade de mil mulheres. guardei bolotas. pinhas. ramos e pedras. sequei folhas no meio de livros e listas telefónicas. faríamos espanta espíritos - desapareces com a luz do fim de tarde - o teu sorriso brando a atravessa o vazio e passa. tão junto ao meu ouvido. que ia jurar que aí semeia segredos - digo boa noite e abeiro-me do precipício.