segunda-feira, 31 de agosto de 2009







Quando eu era criança os velhos escolhiam
dias amarelos para morrer. Trazia
os pés descalços sobre muitos caminhos
como se não ouvisse a minha mãe
a chamar-me para dentro.
O céu pesava avermelhadamente sobre
a minha cabeça como o linho sobre os mortos.
Depois houve muitos invernos.
Intempéries de silêncio debaixo das arcadas
anunciaram o fim do mundo.

Quando eu era criança as paredes de casa
eram permeáveis à luz. A minha mãe
tinha a densidade interior de uma mesa
e braços extensíveis como archotes
para fora ou bosques de bétulas.
A minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.
Quando eu era criança a tijoleira da cozinha
representava constelações e eu esperava
pacientemente o dia da ira do Senhor.

Quando eu era criança anoitecia
sobre a verdade intrínseca de haver ruas
pequenas e horizontes pequenos no fundo
das ruas. Os velhos sentavam-se na soleira
da porta nas noites de verão e as raparigas
sangravam demoradamente o calor
para dentro dos pulmões e cresciam-lhes
os seios, e fechavam-se em casa. Quando eu
era criança a minha mãe pousava na superfície
do outono como um anjo ferido.



José Rui Teixeira

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