terça-feira, 13 de julho de 2010
Morrer, sim, mas devagar,
Sentes o aflorar dos lábios,
uma alegria ali ao lado, gestos
que hesitam perante a figura.
O que fez com que ignorasses os gestos,
a agilidade dos dedos, quem
te retirou o carmim dos lábios?
Morrer, sim, mas com o grito
inesperado, as memórias da poeira
leve ao tacto dos pés. Eis o tempo.
Correm por aqui lágrimas sem pena.
Morrer, sim, se morte houver,
mas nunca mais! O tempo, águia,
onde é a fonte do tempo, o tempo
dos lábios húmidos da viagem?
E, perguntas também, do desejo?
Quantos hectares tem o desejo?
Quantas pressas, lá ao fundo,
onde correm novos rios calmos,
sedentos de distância?
A morte é como tudo. Viva.
Mostrem o ouro, a cor da carne,
o rosário das emoções. A morte
é uma grande herdade dirigida
por palavras. E se o infinito for demais,
que se partam as janelas, o evidente
sobressalto, a boca, o fogo, a incólume
serenidade dos astros. Também os frutos.
Lamento pelos sabores mais frescos.
Morre quem quer. Quem não pode pensar
a seara, a visita dos amigos, uma viagem,
os jardins abertos a extremos.
Morrer, não.
De nada te valeu rogar nem esperavas,
submissa, que não fosse dor
o que dor havia de ser;
que outros gestos te levassem
a desejos sem nome; que das tuas mãos
se espantasse o alívio dos nervos
e da ferida; que, dos teus olhos,
a contida ânsia merecesse direcção
e forma. Era essa a tua geometria
de paciência. E revolta.
manuel fernando gonçalves.
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