às vezes
perigosamente
as veias coagulam
não percebem:
viver é uma hemorragia calculada
ana hatherly
nunca acreditei na felicidade. essa coisa de sorrir nunca me disse respeito. acreditava quando os via sorrir, aos outros, tudo parecia tão fácil quando arregalavam os olhos e a boca. tudo faria de qualquer forma sentido, e o sentido que assim fazia corria com a minha vida, em ponto morto. às vezes sentava-me só a observar os outros, tantos corpos quebradiços. frágeis como as nuvens de água repentina. nunca lhes falava, falar para quê, se os via assim cobertos de lágrimas, mas só nos meus olhos elas existiam. nunca acreditei que não chorar fosse o constante movimento de um corpo que anda. e aprender a andar é complicado, o corpo é pesado, o coração tomba. é preciso ser delicado para perceber a rotação do espaço vago à nossa volta e equilibrar o corpo. aprendi a andar há pouco tempo, antes apenas cambaleava. talvez os dias mais curtos tendam para a chuva. talvez para o sol. ou talvez a chuva ou o sol tendam para os dias mais curtos. hoje é um dia curto e dói-me o coração, quase tomba. gostava de perceber o movimento das estações, se é como o do corpo, se também se trata de um equilíbrio. um dia, talvez encontre quem mo ensine, acredito. por agora pouco mais posso fazer. sentar-me-ei como de costume a ver passar os outros.
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