sábado, 26 de março de 2011















Há bocadinho fui espreitar à janela e estava uma rapariga lá em baixo, à chuva. Isto às onze da manhã, a rua deserta e ela imóvel diante da agência de viagens, sem gabardina sequer, à chuva. Cabelos curtos, sapatos de ténis, os braços ao comprido do corpo, sozinha como uma estátua. Não volto à janela porque não quero encontrá-la, parece acusar-me de uma falta que desconheço, afigura-se-me um remorso vivo. À chuva. Não acaba, este inverno, esta solidão magoada, desconfortável. Faz três anos andava eu à brochinha com o cancro, sangue por todos os lados, a emagrecer, a sentir-me mal, a teimar que era uma bactéria qualquer que trouxera do México. Guadalajara, Guadalajara: deram-me a chave de oiro da cidade: está lá para dentro, no seu estojo, numa gaveta de armário. A chave de oiro de uma cidade não abre nada a não ser portas interiores: e para além das portas interiores quartos vazios na sombra, cada qual com a sua rapariga à chuva que aliás agora parou, veio uma suspeita de sol. Não tarda nada o sol vai-se e a chuva recomeça. Até quando? Dá ideia que para sempre, nunca mais vai cessar de chover. E a rapariga ali quieta, não à espera, não por teimosia, ali apenas, se calhar para sempre também. Vinte, vinte e cinco anos, sozinha.


antónio lobo antunes














quando chove pergunto: ainda chove. ninguém responde. nenhum eco acode à paisagem para mo dizer. amor. ainda chove. ainda aqui estão as nuvens. ainda assim. fico. ninguém. só o silêncio. a pele reclama pelo teu corpo. o teu nome na minha boca à espera. todos os dias quando chove. um homem é um barco. um barco na terra. no céu. no peito só o coração. em silêncio diz que chove.












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