segunda-feira, 29 de agosto de 2011












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Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

herberto helder











tinha sido uma bonita criança. corpo pequeno, braços estreitos, cabelos muito loiros longos, presos ao caco da cabeça por um laço de cetim mal dado. as pernas muito tortas quase tapadas por um vestido velho e branco. de dia sonhava, assobios vários na boca, falava com os pássaros, passeava o interior do corpo, onde a pele não chega. assim fora durante anos até se tornar uma mulher deserta. costumava sentar-se em árvores de ramos baixos, a quem contava longas histórias, inventadas na hora pela aflição de ter o que dizer, não suportava o silêncio. um dia encontraram o seu corpo à tona de água, como morto. pés descalços e sujos, pele muito roxa, nas mãos um ramo de malmequeres. gritaram. a menina sobreviveu, tinha ido dar de comer aos peixes dissera: os peixes comem flores, não sabias? de pouca coisa tinha conhecimento. sabia de cor todos os caminhos para casa, mesmo os mais difíceis, até os que inventara. sabia que o ano tinha quatro estações. que gostava mais do inverno por se acenderem as lareiras e haver neve. sabia que a sua mãe fugira com um amante estrangeiro – sol de pouca dura: costumava dizer a avó – sabia da avó. o mundo ali não entrava. aquele era o tempo de ser feliz. de inventar assobios vários e falar com os pássaros.
















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