domingo, 25 de dezembro de 2011




















lukasz wierzbowski









Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
Gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida

ruy belo








encontrei casa quando conheci os teus olhos - sempre pensei que haveria lugar para mim neste mundo. só não conseguia encontrá-lo. tu sabes. já sofri muito. o tempo passa e tudo fica - queria que nos conhecesse outro mundo. um onde fosse possível ser feliz. encontrar emprego. dar de comer à dor. conhecer os pássaros. falar com as árvores. acreditar - não desistas. ainda há estrelas. ainda há sonhos. e enquanto houver coração há amor -









sexta-feira, 23 de dezembro de 2011









brittany nicol fabry









Não sentiu medo, sequer espanto,
pois imaginava que isso também fazia parte da missão.
Mas quando avistou uma mulher
que vinha em sentido contrário ao dele,
procurou tapar com as mãos aqueles pénis-serpentes
nascidos da mesma sombria raiz, quando corria pelos labirintos.

herberto helder









há muito perderamos a força de viver. eu e o corpo. muito afastados. íamos pela vida como quem corre de encontro ao sol. às vezes. por entre uma nesga de luz. via-lhe o rosto. pálido. sozinho. à espera que o encontrasse para um sorriso - tinha em mim a vontade dos abraços longos. queria dá-los ao mundo. eram meus todos os dias de memórias longas. e o perfume das manhãs cinzentas em que me pegavas ao colo - tenho saudades tuas - não posso dizer que sou feliz. muito espaço há em mim por ocupar. sou uma casa velha. de madeira quebrada. ladeada de árvores cheias de folhas - estou tranquila. sei que me protegem alguns braços. e nas horas de maior tristeza. quando as lágrimas voltam. sei que em algum lado estarás para tomar conta do que do meu corpo partiu contigo - tenho a minha paz. dias longos desertos e o calor da pele - muitas vezes viajo. vou só. eu e os meus pensamentos. damos a volta à vila. procuramos por ti nas paredes das casas que te viram passar. queremos que voltes a tempo do natal - é já depois de amanhã e tu tão longe - vou andando pela vida. que aqui deixe ficar gestos. sorrisos. palavras. silêncios. coisas invisíveis. que mais tarde me lembrem com nostalgia. como eu me lembro de ti -







sexta-feira, 16 de dezembro de 2011












brittany markert








Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?
Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono
Nenhum súbito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha
qualquer. Mas eu sei que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

ruy belo








por que lugares te perdeste que hoje não regressas. nem te lembrando muito o tempo me traz o teu rosto. seco. como os dias secos de grandes conversas - pedi-te que não morresses. eras para mim todos os lugares mais bonitos do mundo. os que ainda não vi. nem sei se terão lugar na existência física como têm dentro - o corpo às vezes dói. é natural. é carne só - às vezes passeávamos. da porta à horta eram viagens longas. e contavas-me da tua vida. como se estivesses viva e a morte te não visitasse já durante a noite - tinhas um nome próprio de princesas e um jeito manco de andar que te fazia erguer os cabelos. tinhas um nome tão próprio que dizê-lo é arrancar penas a pássaros - como sabes é dezembro e em dezembro custam muito mais os dias. quem dera que passe ou não passando sare.










sexta-feira, 9 de dezembro de 2011












lieke romeijn











Não abandono os sítios de que me fui embora,
coloquei a alma, escondida, sob cada objecto.
Continuo em Veneza com sete anos, em Berlim com quarenta,
não saí do lago do Jardim Zoológico, onde passeava,
com o meu avô, num barco com pedais.
Lembro-me dos patos, dos cisnes, de ser tão feliz,
lembro-me de tudo. Não esqueci nada, não vou esquecer nada

antónio lobo antunes








quando dezembro chega é o silêncio a romper a casa. e o teu cheiro moribundo nos armários. e o teu nome por dentro das fotografias - vou andando - já tenho vinte e quatro anos e é quase natal. bem sabes como me custam os natais - tinhas tanto tempo para o morrer. foste morrer em dezembro de lareira acesa - ninguém toca na tua roupa. desde que partiste há gavetas que ninguém abre e o teu cheiro - este natal. estejas onde estiveres. que estejas bem avó.