sábado, 30 de novembro de 2013






mariam sitchinava













é tarde meu amor
 estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido 
agora, tuas máquinas trituraram-me, cospem-me, interrompem o sono
 habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais… 
a solidão tem dias mais cruéis
 tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro… quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda…
cantar-te
os gestos com
 [ternura
 mas não
águas, águas inquinadas pulsando dentro do meu corpo, como um peixe ferido, louco
 em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem 
[estátua-de-jardim-público
 aceito o desafio do teu desdém
 na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
 apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

al berto








quando o mundo pára vejo uma calma e não regresso à terra - é o mar - como ilha vou. estou. em água. e sou da água como um peixe - tenho vontade de mar - subitamente. sou o teu rosto. sossego o tempo na tua boca - e fico. permaneço. e não regresso à terra de homens sem nome. nem morada. nem peito para atirar à bala. nem bala que mate - quero morrer de azul. de água. de frio - sentir a pele tremer e um calafrio no corpo - depois serei mar. azul que mente. e viverei como peixe que conhece a escuridão das águas fundas - do sargaço farei ninho e nos meus braços morrerão pescadores. piratas e homens que ao mar se lançam em suicídio -




quarta-feira, 27 de novembro de 2013







laura makabresku








quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.


antónio franco alexandre 









quero um corpo de encontro à pele. ainda que gele - esta beleza dói no abraço que não damos - sei de alguma beleza. guardada em lugares. pessoas. memórias. onde regresso quando me falta pele - e cresce no corpo uma vontade de ir. tão bela que dói. resgatar a pele dos braços que me faltam - no lugar do coração surge sargaço. e a terra. salgada de mar. faz crescer as árvores - ninguém nos vê. deste lado do peito. ninguém nos vê - espero que saibas que o caminho é uma vida inteira onde existimos.






segunda-feira, 25 de novembro de 2013










laura makabresku








Olha os meus olhos morena
porque a aventura é ficar
se a minha terra é pequena
eu quero morrer no mar.
Lençóis de algas e peixes
de barcos a menear
no dia em que tu me deixes
eu quero morrer no mar
E se o negro é a tua cor
respirando devagar
depois do amor meu amor
eu quero morrer no mar.

antónio lobo antunes










quando quieta o corpo foge. a pele estala na aridez de outono- de rosto voltado a sul desenho o voo perfeito - e sinto todas essas aves mortas de cansaço. a hibernar afetos como quem escreve canções de amor - falta sempre um pouco mais - é breve e triste o passar dos anos. como suspiros ou arrepios de pele - o que a gente sente é a melancolia de quem sabe que os anos passados já não nos pertencem e uma vontade enorme de os ter - temos memórias mas até essas partem - lembro: o mar estava bravo e o frio no pescoço fazia tremer o corpo. ao longe uma nuvem desaparece no azul -















terça-feira, 12 de novembro de 2013










laura makabresku






'Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te assim por acaso no meu dia livre a meio da semana. Mantêm-se as causas iguais das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono custa. Porque estou contigo e me deixas a tua imagem passa pelas noites sem sono, está aqui a cadeira em que te sentaste a escrever lendo. Pudesse eu propor-te vida menos igual, outras iguais obrigações. Havias de rir, sair à rua...'
helder moura pereira









minha querida c. és do mundo - guardo em mim a paz e a alegria de ter entre os braços. como uma memória bonita que se busca em dias tristes - sei da tua paixão pelas grandes coisas. as essenciais. invisíveis aos olhos e nítidas a um coração que vive de água e mar - as minhas lágrimas são hoje como nuvens onde te deitas feliz. voltada para sul - espero o teu regresso. como espero as andorinhas. uma ânsia de primavera no corpo frio de inverno - quis dizer-te outro país. tão meu como os sonhos. sei que o fizeste teu. - é tão simples como sorrir - ensinaste-me a vida. como resistir à morte. como caçar borboletas e sossegar o coração - talvez um dia te consiga explicar como foge. com que voz grita. um coração assim forte e quente como o meu - também sei que são tuas todas as noites e todas as estrelas. estarei olhando por elas - quando regressares das terras de áfrica para onde partes em breve. estarei aqui para abraçar-te com o corpo cheio de luz e amor.






segunda-feira, 11 de novembro de 2013






mariam sitchinava












As noites desmedidas de novembro
abertas sobre a queixa rígida das árvores
inauguram o outono sobre a terra

 ruy belo







quando era pequena acreditava que o mundo era do tamanho do meu país. e era como uma folha em branco onde seria possível escrever todos os continentes que quisesse. e os mares corriam em cascata rumo ao peito aberto - nunca fui de falar muito. observava por entre nesgas de cabelo. a vida. sei hoje tão pouco da vida como nessa altura. aliás. creio que ainda sei menos - quando era pequena fugia do mundo. hoje ainda mais -






quarta-feira, 6 de novembro de 2013


































laura makabresku












No verão em que partiste bem me lembro
 pensei coisas profundas
 É de novo verão. Cada vez tens menos lugar
 neste canto de nós donde anualmente
 te havemos piedosamente de desenterrar
 Até à morte da morte

ruy belo









é outra vez novembro e nenhum ano passa sem que me lembre de todos os rostos que amei - na década de noventa fiz ninho em corações de homens sós. e às noites frias contei verdadeiras histórias de amor. dessas histórias tão histórias que já nem eu sei o que é verdade ou mentira - porque as mentiras que a boca diz são como cinza fertilizando terra - o meu corpo só. na casa dos vinte. corre de encontro à luz. nem a chuva do mês me impede de ir. nem a cinza na boca - às vezes recordo. com alguma saudade. os homens que amei. as mãos deste. as palavras daquele. os silêncios do outro. e fico apertando o coração até que sangre um pouco. pela certeza de os ter querido como quero os dias de sol. quentes na pele - tenho saudade dos nomes. dos corpos. dos homens que amei. que agora recordo em esforço - com os anos a memória encolhe.