quinta-feira, 26 de junho de 2014






laura makabresku












Fica esta noite, mais outra, o
 tempo que demora a cumprir a decisão de 
 amar-te. E vamos fazendo o curso dos dias 
 com algumas opiniões parecidas e ódios ás 
 coisas culpadas. A gente que diz coisas 
 de silencio, os andaimes da cidade tapando 
 saídas, as horas certas quando dizemos 
 adeus. E que sentido têm estas lágrimas? 
 Eu vivo neste ano e já me esqueço de mim, 
 apenas vou precisar amar-te, depressa

helder moura pereira





porque me fizeram mal deixei de acreditar no amor - impossível amar com um coração assim partido. e sempre esperei que uma nesga de luz lhe devolvesse vida - quando a noite chegava eu. que sempre questionei deus. rezava. com todas as minhas forças.  para que nenhum fantasma me impedisse o sono - quase morri - não acreditava que houvesse qualquer possibilidade de amar. de ser feliz. tudo me parecia tão longe - o meu corpo habituou-se de tal forma à sombra que a luz me cega a pele - compreenderás agora porque tudo me parece estranho. porque me espanto com o teu afeto - és feito de luz.








quarta-feira, 18 de junho de 2014










mariam sitchinava


























As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

ruy belo










tu eras a árvore mais bonita da minha infância e enfim morreste - sem que to pudesse dizer - por ti passaram os anos e os pássaros. esperaste seca que a chuva voltasse. resististe a dilúvios e tempestades - em teus ramos prendemos tantos baloiços - de folhas verdes. pequenas. tocando o rio. assim te iam as primaveras - sempre preferiste os tempos quentes - às vezes no inverno. as águas subiam tanto que quase te afogavam. com medo nem dormias - estavas visivelmente cansada quando chegava da escola para te contar os meus segredos - a ti confiei o meu primeiro amor. gravei-o no teu tronco com a navalha que roubei ao meu pai. tinha oito anos - nunca falaste e ainda assim sempre tivemos grandes conversas - enfim morreste e contigo levaste memórias irrecuperáveis de mim. daquilo que sou - volta. 
















quinta-feira, 12 de junho de 2014








mariam sitchinava










 a faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
herberto helder















um sossego que parte quando a saudade é imensa - quero dizer à noite que todo o silêncio é meu. não sei com que voz. como dizer - digo baixinho que amor não é fogo. que coisas dessas. que assim incomodam o coração. são de água  - tão azul como a noite quando cai. mais fria. no céu. quando estrelas descem à terra e trazem alegria à pele - sou como faca. e só agora percebo porque 'a faca não corta o fogo'






















quarta-feira, 11 de junho de 2014











laura makabresku



















Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

herberto helder










era tudo tão verde quando sorrias. à tua passagem fendas em rochas abriam e flores nasciam. para te fazer sombra todas as árvores te seguiam - eu fechava os olhos e sabia que toda a natureza existia pela tua vida - florestas do norte. praias de ocidente. afluentes de rio. copas de pinheiros... - e toda a terra onde nos deitamos se repete - a cada estação o teu corpo volta. ungido de memória. peito feito à vida - queria para ti um país verde escuro. com planícies onde descansar os sonhos. noites e terras grandes com vista para estrelas de nome próprio -













terça-feira, 3 de junho de 2014































de fabiana grasso


















'E tu esperas, aguardas a única coisa
que aumentaria infinitamente a tua vida;
o poderoso, o extraordinário,
o despertar das pedras,
os abismos com que te deparas.'


rainer maria rilke













espero-te. não regressas. não há volta na vida. nem mar - fujo. meu corpo um abismo. teu corpo amarelo puro - adeus - teu nome bate no meu como um coração que morreu. e todos os braços. de todos os amigos. me dizem que morreste - não existe calma. nenhum gesto conforta. de silêncio se cobrem todos os móveis. cresce o respeito pelas coisas mortas - eu não volto - avó. faz-me uma trança metida. conta-me uma história - era uma vez uma menina de cabelos muitos loiros. tão loiros que dali nasceram os primeiros raios de sol. os seus cabelos fizeram o dia. quando essa menina ficava triste seu peito abria e dele saíam sete corvos negros e dali se fez a noite...