Como se houvesse uma tempestade
escurecendo os teus cabelos,
ou, se preferes, minha boca nos teus olhos
carregada de flor e dos teus dedos;
como se houvesse uma criança cega
aos tropeções dentro de ti,
eu falei em neve - e tu calavas
a voz onde contigo me perdi.
Como se a noite se viesse e te levasse,
eu era só fome o que sentia;
Digo-te adeus, como se não voltasse
ao país onde teu corpo principia.
Como se houvesse nuvens sobre nuvens
e sobre as nuvens mar perfeito,
ou, se preferes, a tua boca clara
singrando largamente no meu peito.
eugénio de andrade
não podes morrer avó. que é primavera e as estrelas crescem. não podes morrer agora. de novo.como aquela senhora. de cabelos brancos e olhos voltados para o mar. era dezembro. lembraste avó. era dezembro e o corpo foi-me trazido num caixão. e não podes morrer agora que o tempo vai quente. e quentes estão as pedras. e ergueremos o muro. e desceremos até ao rio. mostrar-te-ei como cresceram as árvores que plantamos. não podes morrer agora que é quase abril.e de branco caiaremos as paredes da casa. e a casa abrirá então as portas todas ao sol. quero sentar-me de novo à tua beira. encher de lenha o forno. esperar a cevada ferver. nunca to disse mas fazes a melhor aletria do mundo. e digo mundo porque sei que o teu mundo vai até frança. o teu mundo. não o meu. que sempre foi a ibéria como o daquela senhora que me morreu em dezembro. e era minha avó como tu. e como tu esteve sempre tão perto e quase a partir. nunca falamos de flores. e eu sei como preferes chocolates a flores. como dizes tão mal das luas. tão cedo deitas o corpo à luz. não podes morrer agora que eu não sei se aguento.
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