quarta-feira, 29 de junho de 2011

























patricija stepanovic







Sobre os cotovelos a água olha o dia sobre

os cotovelos. batem folhas da luz
um pouco abaixo do silêncio. Quero saber
o nome de quem morre: o vestido de ar
ardendo, os pés e movimento no meio
do meu coração. O nome: madeira que arqueja, seca desde o fundo
do seu tempo vegetal coarctado.
E, ao abrir-se a toalha viva, o
nome: a beleza a voltar-se para trás, com seus
pulmões de algodão queimando.
Uma serpente de ouro abraça os quadris
negros e molhados. E a água que se debruça

olha a loucura com seu nome: indecifrável cego

herberto helder




quero para nós o silêncio dos dias imensos. que carregam nuvens - um céu com queda para anjos. estrada sem saída. cume. ravina. tecido fosco. boca sem fôlego - quero para nós o silêncio dos dias vivos. sangue que corre nas veias. eras cobrindo paredes. silvas crescendo nos muros - afinal nas pedras ainda há vida - respira - o mundo está deserto neste corpo. nem uma nesga de luz acode à pele - quero para ti um barco. jardim. arvoredo. pássaros grandes. muito grandes. tão grandes como os anos que passei sem ti.





































Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez


ruy belo








pela manhã é o teu rosto que me visita. pânico ou lucidez - estavas tão quieta. pequena. branca. teu corpo frio de neve. queria contar-te uma história de uma senhora que assim quieta plantou o coração em terra baldia. queria contar-te uma história - foges pela casa. o teu corpo pequeno atira-se às sombras. nunca foste a lugar nenhum sei-o hoje - todos os dias a memória do teu rosto pequeno branco. a pele tão murcha. os dias eram tão grandes que te caíam do corpo - havemos de ir à europa.









domingo, 26 de junho de 2011































Que importa sermos de uma só manhã e não haver
em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?


ruy belo







escrevo para ti. porque são teus os dias. e todas as árvores se perdem por ti. como se perde o tempo a cada dia. escrevo para ti que sabes que as sombras são escassas e a pele à noite desaparece. com a idade sei das memórias imensas onde não fui feliz. sou novamente a criança que cresce com os pés enterrados no mato e os olhos de um silvado bravo - por vezes soube da felicidade. um manto de neve branca na pele pálida de fome ou remorso. por vezes soube de ti. acreditei que em algum lugar me esperavas com outra infância ao colo. mais feliz. mais nossa. sem o cinzento dos dias tristes ou a geada das manhãs frias. onde não estavas. nem sabias. nem esperavas - às vezes sonhava. prados verdes. mantos de água. tão limpo o céu que nem uma nuvem se via. nem ninguém. só eu corria livre como o vento corre - quero sonhar.contigo.









sábado, 25 de junho de 2011








































Eu sei que às vezes encontro sem saber porquê
Um simples não quê em estátuas retratos antigos
de límpidas mulheres desconhecidas
eu que de súbito à primeira vista me apaixono adolescentemente
por essas mulheres mortas mas contemporâneas
de um pobre poeta português do século vinte
levadas até ele talvez por um discreto gesto
às formas e às cores impresso por um homem
que na arte encontrava a única razão de vida
abro a pasta e deparo com o teu retrato
um retrato de passe anos atrás tirado
no sítio suburbano onde primeiro vivemos
e juntos suportámos com surpresa a solidão
de sermos dois e ela só vergar os ombros onde os dias nos poisavam


ruy belo




nascer de novo para um grande amor. onde também estivesses de braços abertos voltado para o mar - quero dizer-te que todas as manhãs te esperei como se esperam os anos. que de rosto em rosto andei. à procura de uma boca onde pousar o coração - aos campos da minha infância regresso. quero a felicidade dos dias mansos. memórias: da pele estar fria com o vento na tapada. do rosto caído. o umbigo deserto de fome e medo. - aprendi que voltado para norte o corpo adormece mais depressa - abraça-me muito que amanhã é domingo e fazes anos. e não sei nascer de novo. nem sei como te trazer a felicidade dos dias mansos que não tive. um vento fresco de amor no rosto. na tua boca deixo o meu coração para que te invente estrelas. queria dizer-te dos futuros dias calmos. amor. abraça-me muito.










sexta-feira, 24 de junho de 2011












Escuta, escuta:
tenho ainda uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei,
não vai salvar o mundo,
não mudará a vida de ninguém
- mas quem é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco mais.
Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

eugénio de andrade






um mundo de água onde o meu coração coubesse inteiro. e em todas as florestas um sorriso que dentro levasse o teu rosto. o teu rosto para o sol voltado. à espera das folhas. quando caem as folhas. quando se erguem as árvores. quando chegas. quando partes. já não importa. se o mundo fosse assim grande. onde o teu coração no meu batesse. onde o teu corpo com o meu fosse. não importa para onde. que lugares há muitos. tantos.







quarta-feira, 22 de junho de 2011





















há algum tempo costumavas falar-me do vento. dizias: olha. olha. e os teus olhos eram dois buracos onde o mundo inteiro cabia. e lugares onde não estive. pessoas que nunca vi. mares onde nunca irei. por serem todos teus. só teus.. é isto. é isto.. este lugar. é o de te encontrar para um adeus. dizer-te que do céu não te vejo. que a terra sem ti é pequena. que nunca vi ou ouvi nenhuma história que fosse tão bonita como a do vento. a que me contavas. . queria pegar-te ao colo e levar-te de encontro ao sol. contar-te do vento que faz agora que não estás. que voltou bravo.












































francesca woodman








passei a manhã e parte da tarde a observar-me no espelho. procurava um indício de morte sobre o rosto.
que minuciosa imperceptível tarefa teria ela iniciado durante a noite? nada visível por agora. nada se vislumbra na cor da pele, no movimento das pálpebras ou no húmido dos lábios.
doem-me as mãos. um vómito sobe. sinto-me demasiado fraco para suportar o meu próprio peso. se ao menos a morte me prevenisse que chegaria. bastava que me mostrasse um vertiginoso buraco na água, um diáfano sorriso de pássaros ou uma pedra flutuando.

al berto






pergunto-me porque morrem os pássaros. que o sul ou outro norte os detivesse quando o fracasso das montanhas lhes impedisse o voo. às vezes choro. é quando com os pássaros vou pelas maçãs do mundo. dorso de animal ferido - não falem mais - querer ser assim não basta. outro dia talvez saiba dos pássaros - não sei nunca se regresso. que estes braços me podem fugir do corpo. .quando a pele nos cai é tarde na mó dos dias e os finos cabelos voam - onde está quem nunca soube de mim. nem dos pássaros - que este mundo me pertencesse com tudo. terra.chão.nuvem.céu.erva.ar.vento.sombra.sol.água.homens.pássaros. que este mundo me pertencesse com tudo.




















segunda-feira, 6 de junho de 2011

























I… I used to make long speeches to you after you left. I used to talk to you all the time, even though I was alone. I walked around for months talking to you. Now I don’t know what to say. It was easier when I just imagined you. I even imagined you talking back to me. We’d have long conversations, the two of us. It was almost like you were there. I could here you, I could see you, smell you. I could hear your voice. Sometimes your voice would wake me up. It would wake me up in the middle of the night, just like you were in the room with me. Then… it slowly faded. I couldn’t picture you anymore. I tried to talk out loud to you like I used to, but there was nothing there. I couldn’t hear you. Then… I just gave it up. Everything stopped. You just… disappeared. And now I’m working here. I hear your voice all the time. Every man has your voice.

Paris, Texas





a gente sempre espera por um abraço. é quando a noite cai e o mundo sossega. essas memórias encontram-me. fomos tão felizes com os vestidos brancos de comunhão e o cheiro a cal. fomos tão felizes. a lenha a estalar na lareira. os melhores poemas do mundo. sabor a terra. e um silêncio de inverno. frio na soleira da porta. o teu andar. esse jeito de andar indiscreto e tardio. todos os passos vão ao teu encontro. teu rosto magro. parado na fotografia. que pele tão sã. que olhar tão manso. pergunto-me onde estarás. qu'é do teu avental de seda pura comprado a preço de ouro no pechisbeque. e as longas noites de chuva. a telha coberta de água. o branco sujo do vento. a casa voltada para o nascer do sol. e sol nem vê-lo. o banco ainda lá está. à tua espera. pequeno como são pequenos os bancos de gente pequena. a vista para o monte. os pinheiros mansos. a erva rasa. os pássaros sem norte. para onde fogem as árvores quando morrem. quem as espera. pergunto sempre por ti aos que partem talvez um dia regresses.