quinta-feira, 21 de agosto de 2014











rita lino
























“Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar”
sophia de mello breyner andresen 














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pouco sentido tem agora a vida. só este de ser agosto e não existir luz. de o tempo ser quente mas a tua pele tão fria - não sei que futuro me pertence. que destino me traçaram as parcas. que luta. que sorte. que tiro - às vezes acordo assim triste. passo o dia a ouvir-te: 'agora é que pinta o bago. ai agora é que ele é pintor. agora é que eu vou falar ai deveras ao meu amor'. e quase sinto o teu rosto assim perto do meu. e o teu coração ainda vivo. ainda batendo para sempre. como os sinos a anunciar a tua morte - invoco o teu nome como anunciação de estações alegres e ninguém diz. ninguém explica. esta tristeza. este vazio. este não estar onde. não saber o quê. porquê. como - nada - que o tempo corra. tão depressa que nem o sinta. que te traga como raio de luz assim forte. que me cegue. que a tristeza só exista para mim. por dentro - e estas dores que não passam. este amor que ainda vive. este não ser feliz - outro mundo foi nosso. quando fechava os olhos um mar muito azul-verde-celeste. gaivotas de papo farto. casas branco-puro. areias finas. e eu a pedir-te: diz-me uma coisa bonita - não sei se haverão já coisas bonitas a dizer. e se houvesse não sei se saberia dar-lhes sentido.

















terça-feira, 19 de agosto de 2014








jake erwin berry






















O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta. 
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar 
 e nos torna piedosos, como quem já tem fé. 
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida 
pelo movimento, pela forma, pelo nome, 
voltamos ao zero irradiante, ao ver 
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás 
o que não tem tamanho, mas está agora 
 engrandecido dentro do novo olhar.

fiama hasse pais brandão












subitamente o teu rosto à tona d'água - regresso onde nos perdemos. uma curva de estrada apertada. pinheiros altos virados ao céu - ouve-se ao longe uma corrente de água. forte. sei que será fria como frias serão todas as águas que te não conheceram a pele - quase te ouço chamar-me. como um sorriso que a boca força e o corpo não reconhece - depois da curva uma reta funda a cortar o mato. nem uma nesga de sombra. apenas uma luz intensa a queimar os olhos. a pele. o caminho - disto somos feitos. para isto criamos o mundo. e fechar os olhos parece-me a melhor forma de sentir vida - dai-me outro coração mais sadio. com janelas abertas voltadas para os mares do norte. com montanhas altíssimas. desertos imensos e a tua voz. como um eco sem palavras. a cobrir de silêncio o peito - bate-me um coração que já não me pertence.em coordenadas que os ossos não sustentam. o corpo cai. o corpo vai. o corpo fica. para sempre. como uma curva de estrada aonde o teu não regressa - 






















quarta-feira, 13 de agosto de 2014









esben bøg jensen




















ultimamente
meus sonhos
têm sido
autênticos pesadelos.

antes assim.

não me assusto
tanto
ao despertar.

david gonzález














dias inteiros a inventar felicidade - as heras estão prontas. à porta de casa aguardam uma luz forte que de algum modo lhes devolva o verde brilho. as árvores insistem o teu nome. a brisa quente. muito quente. e o teu rosto de flores abertas. de ervas daninhas. de água fresca - que noite tão noite. que manhã tão manhã. de tarde tão tarde. a memória de ti. o azul que não volta. a boca fechada. o pesar tão grande. a tristeza tamanha - um país onde não houvesse nada e o teu nome fosse o eco de todas as palavra proferidas. e o teu rosto fosse todos os reflexos e toda a água seguisse o caminho dos teus braços - sempre te disse que o meu coração era um país onde não havia nada. nem amor 


















quinta-feira, 7 de agosto de 2014









laina briedis




























Este mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.

josé saramago













esta terra que já foi prometida. como felicidade em corações assim sós. é um precipício - não sei para que lado da vida me hei-de virar. para que lado do mundo correr. que sentido dar ao espaço de tempo que o corpo não tem - neste país. que só é possível pela força do peito. nascem árvores de fruto. colhe-se cortiça e sabe-se que a vida regressa num futuro próximo. que a pele se acalma com segredos no ouvido. que na boca nenhum beijo. que ao corpo nenhum fim - esta língua carrega uma humanidade que não há. a ternura dos dias tortos. paisagens verdes. e os meus braços muito quietos como um grito - digo amor e a montanha responde. devagar. como uma palavra que o acaso inventou para trazer felicidade a corações assim sós - 













quarta-feira, 6 de agosto de 2014











irina monteanu




















Do fundo do sonho
uma mão me estendes.
Uma mão cortada
que me acaricia e foge.
Eu busco-a sem pressa
pelos cantos e livros.
Encontro só lábios,
estações, cigarros,
crianças a despedir-se,
umas gotas de sangue.
Pelo fundo do sonho
afastas-te devagar.
Quero gritar teu nome,
mas não sei quem és.
Na rua deserta,
ao dobrar a esquina,
viras-te a olhar-me
e sou eu quem me olha.

josé luis garcía martín












que azul de céu tão azul é este. que luz  incendeia tanto. tão dourada. tão no limite. quase noite. quase preto. quase tiro no escuro. quase bala no peito. e um silêncio tão grande. maior que os braços. maior que o corpo que parte. que o coração que adormece. e uma voz que me chama. tão perto. tão baixo. como um segredo que a pele reconhece pela acentuação do mundo - palavra por palavra. prometo. silêncio no silêncio. desperto.  o que te quis dizer. como um grito. que a boca não revela porque a língua muda. adormece. para sempre.  
















segunda-feira, 4 de agosto de 2014









Randy P. Martin






















Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)

orides fontela








é no verão que te lembro mais. por serem teus todos os dias quentes e os fins de tarde assim lentos. a demorar na pele. e o sol desaparecendo - quis fugir com a luz. devagar. muito devagar. corpo todo dorido. morrendo em paz - às vezes procuro-te por entre o azul. espero-te à sombra dos cedros. sentada na raiz de uma videira baixa. conto amoras como anos que passam - uma vez descobri aqui um ninho de melro. corri a contar-te. três pássaros pequenos e nus à espera da mãe - o que comem os pássaros. como voam os pássaros. para onde vão os pássaros. como se fazem os pássaros. tantas perguntas e apenas um sorriso de resposta - anoitece e tu não chegas. regresso a casa devagar. o caminho é estreito e cheira a terra quente. repito o teu nome. baixinho. como uma lenga lenga que o tempo não apaga e rima. 





















domingo, 3 de agosto de 2014































elif karakoc




















Voltar-me para o lado esquerdo e assim,
deslocando todo o peso do sangue
sobre a metade mais gasta do meu corpo,
Esmagar o coração.

carlos de oliveira













de corpo feito à vida. coração já sem sentido. assim vou pelo mundo. procurando esquecer-me do tempo -construo lugares onde ser um pouco mais feliz - lembro-te de ti. tenho paz e esperança. o que de ti guardo são alegrias. sorrisos. um sentido de vida que nunca morre - não sei se os anos foram feitos para esquecer ou lembrar um pouco mais. naturalmente esqueço-me do tempo. dos anos que tenho. dos que já passaram. dos que ainda faltam. a vida dá tantas voltas - confio ainda em ti. no que me dizias. que nada acontece por acaso. que não existem coincidências. que a lua crescente é boa para as sementeiras. que todos os caminhos cedo ou tarde se cruzam -sabes. continuo a pedir cinco minutos para um longo abraço. algum tempo para certas conversas. como se o tempo não me pertencesse - a vida corre. tão depressa que eu nem sinto.












sábado, 2 de agosto de 2014











laura makabresku




















O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

fernando pessoa







na minha boca cresce esse silêncio imenso - tanto te quis dizer que o coração parou - às vezes falo comigo. tanto. tão depressa. tão alto. que nem sei se o mundo saberá de todos esses segredos que guardo há anos - tu és o meu segredo mais bem guardado. vives por dentro da minha pele. do lado esquerdo do peito. vou-te alimentando de gestos - de ti nunca falei. nem comigo. nem baixinho. nem ao ouvido de alguém - és um segredo que nunca direi porque não existes agora. nunca mais - o que de nós ficou foi só esperança. futuro próximo. inquietação - quando fecho os olhos. consigo ver-nos muito quietos. muito dados um ao outro. fazendo casa na escuridão - nenhuma casa é nossa nem agora. nem nunca. nenhum sentimento nos conhece. nenhum outro coração - teu corpo é uma memória.