rita lino
“Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar”
sophia de mello breyner andresen
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pouco sentido tem agora a vida. só este de ser agosto e não existir luz. de o tempo ser quente mas a tua pele tão fria - não sei que futuro me pertence. que destino me traçaram as parcas. que luta. que sorte. que tiro - às vezes acordo assim triste. passo o dia a ouvir-te: 'agora é que pinta o bago. ai agora é que ele é pintor. agora é que eu vou falar ai deveras ao meu amor'. e quase sinto o teu rosto assim perto do meu. e o teu coração ainda vivo. ainda batendo para sempre. como os sinos a anunciar a tua morte - invoco o teu nome como anunciação de estações alegres e ninguém diz. ninguém explica. esta tristeza. este vazio. este não estar onde. não saber o quê. porquê. como - nada - que o tempo corra. tão depressa que nem o sinta. que te traga como raio de luz assim forte. que me cegue. que a tristeza só exista para mim. por dentro - e estas dores que não passam. este amor que ainda vive. este não ser feliz - outro mundo foi nosso. quando fechava os olhos um mar muito azul-verde-celeste. gaivotas de papo farto. casas branco-puro. areias finas. e eu a pedir-te: diz-me uma coisa bonita - não sei se haverão já coisas bonitas a dizer. e se houvesse não sei se saberia dar-lhes sentido.