sexta-feira, 30 de julho de 2010
Quero viver o que me dizes, por exemplo
a cor precisa das cortinas,
a madeira que torna a água dura,
amanhecer nos campos de inverno.
Sou a vítima, o resultado
de uma maneira de inclinar os ombros,
quero dizer a sombra
do teu silêncio,
acredito, sem razão que se veja, na definição
das ilhas, o número e o mapa, as gemas tropicais,
venho encontrar-te para uma traição.
antónio franco alexandre
quinta-feira, 29 de julho de 2010
quarta-feira, 28 de julho de 2010
abre os olhos. todos os dias foram dele. quando passaram por ele as horas o relógio caiu-lhe morto ao colo. já nem esta vida lhe basta. quase nada lhe pertence agora que tem todo o tempo do mundo. está só. ao longe ouvem-se as vozes, insónias e fantasmas de outros. ele ao lado a contar os segundos, a marcá-los na pedra com as unhas. está cansado. olhos enterrados no rosto. mais tarde, num espaço paralelo a este, uma sereia sacode a cauda para fora de água. quer morrer. nunca soube como. a sereia tem nome de floresta, fala com os braços em volta do corpo. quando nada os longos cabelos vão com as ondas, para longe. tantas vezes cheios de caranguejos e restos de algas que trazem as correntes quentes. ele não conhece a sereia, com pena do narrador, se ele a conhecesse logo se arranjava forma desta história se transformar numa curta história de amor. apesar disso ele sabe que ela existe, que é ela que ele ouve quando o silêncio cai. os fantasmas e as insónias e os outros são ela. se tivesse tempo ia à sua procura, se tivesse tempo.
domingo, 18 de julho de 2010
ela desapertou a cabeça com uma chave estrela. enfiou-a depois num caixote de papel forrado a jornal. com o caixote ao pescoço foi rua acima em passo lento, braços à frente do corpo. chegada à esquina, braços primeiro, sentou-se junto ao passeio. nunca soube para que lado da vida se foge quando o amor dói.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
terça-feira, 13 de julho de 2010
Morrer, sim, mas devagar,
Sentes o aflorar dos lábios,
uma alegria ali ao lado, gestos
que hesitam perante a figura.
O que fez com que ignorasses os gestos,
a agilidade dos dedos, quem
te retirou o carmim dos lábios?
Morrer, sim, mas com o grito
inesperado, as memórias da poeira
leve ao tacto dos pés. Eis o tempo.
Correm por aqui lágrimas sem pena.
Morrer, sim, se morte houver,
mas nunca mais! O tempo, águia,
onde é a fonte do tempo, o tempo
dos lábios húmidos da viagem?
E, perguntas também, do desejo?
Quantos hectares tem o desejo?
Quantas pressas, lá ao fundo,
onde correm novos rios calmos,
sedentos de distância?
A morte é como tudo. Viva.
Mostrem o ouro, a cor da carne,
o rosário das emoções. A morte
é uma grande herdade dirigida
por palavras. E se o infinito for demais,
que se partam as janelas, o evidente
sobressalto, a boca, o fogo, a incólume
serenidade dos astros. Também os frutos.
Lamento pelos sabores mais frescos.
Morre quem quer. Quem não pode pensar
a seara, a visita dos amigos, uma viagem,
os jardins abertos a extremos.
Morrer, não.
De nada te valeu rogar nem esperavas,
submissa, que não fosse dor
o que dor havia de ser;
que outros gestos te levassem
a desejos sem nome; que das tuas mãos
se espantasse o alívio dos nervos
e da ferida; que, dos teus olhos,
a contida ânsia merecesse direcção
e forma. Era essa a tua geometria
de paciência. E revolta.
manuel fernando gonçalves.
sábado, 10 de julho de 2010
quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.
antónio franco alexandre
sexta-feira, 9 de julho de 2010
quinta-feira, 8 de julho de 2010
(excerto – estrofe final – do poema CORPO VISÍVEL)
"Contra ele meu amor a invenção do teu sexo
único arco de todas as cores dos triunfos humanos
Contra ele meu amor a invenção dos teus braços
maravilha longínqua obscura inexpugnável rodeada de água
por todos os lados estéreis
Contra ele meu amor a sombra que fazemos
no aqueduto grande do meu peito O MAR"
"Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor -- muito melhor!--
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê."
mário cesariny
As tuas mãos que a tua mãe cortou
para exemplo de uma cidade inteira
o teu nome que os teus irmãos gastaram
dia a dia e que por fim morreu
atravessado na tua própria garganta
as tuas pernas os teus cabelos percorridos
rato após rato tantos anos
durante tanta alegria que não era tua
os teus olhos mortos eles também
na primeira ocasião do teu amante
assim como as palavras ainda fumegando docemente
sobre as pedras de silêncio que lhes atiraram para cima
o teu sexo os teus ombros
tudo finalmente soterrado
para descanso de todos
- mesmo dos que estavam ausentes
antónio josé forte
quarta-feira, 7 de julho de 2010
terça-feira, 6 de julho de 2010
Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita genteque come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra
.a pastelaria. mário cesariny
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