laura makabresku
fazia nós no outono. o eco genital de Deus a abrir avessos. um
sangue muito branco falava na água da pele. é aqui o meu corpo,
perguntei, mas deste lado da morte ninguém respondia.
árvores todas caíam os braços. o deserto escorria no lugar da pele.
um lençol cheio de silêncio respondia pelo mundo. é aqui o meu corpo,
perguntei, mas deste lado da morte ninguém respondeu.
o dia não sabia se existia. uma canção de barco abria feridas no
tempo. as janelas diziam dezembro, dezembro, e a primavera tinha sido
ontem por fora. é aqui o meu corpo, perguntei, mas deste lado da morte
ninguém responde.
pedro sena-lino
tantas vezes na vida inventei memórias de dias felizes. só para sofrer menos. para que os dias passassem mais depressa - às vezes perdia-me. sem saber se era realidade o que vivia ou uma memória feliz que inventara - contigo nunca foi preciso inventar memórias. todos os dias eram felizes no teu rosto branco como neve. foste a ruiva mais ruiva que já conheci. a amiga mais amiga que nunca tive - às vezes descíamos a calçada como dois sardões ao sol. tão devagar que o tempo nem passava por nós. depois corríamos a rasgar o verde de uma infância sem sombra - queria para ti um mundo maior. uma vida mais vida - que fazer enquanto a morte cresce. que fazer enquanto ninguém dorme - que a dor não te incomode e a luz te abrigue.
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