sábado, 27 de abril de 2013






laura makabresku 


 fazia nós no outono. o eco genital de Deus a abrir avessos. um sangue muito branco falava na água da pele. é aqui o meu corpo, perguntei, mas deste lado da morte ninguém respondia. árvores todas caíam os braços. o deserto escorria no lugar da pele. um lençol cheio de silêncio respondia pelo mundo. é aqui o meu corpo, perguntei, mas deste lado da morte ninguém respondeu. o dia não sabia se existia. uma canção de barco abria feridas no tempo. as janelas diziam dezembro, dezembro, e a primavera tinha sido ontem por fora. é aqui o meu corpo, perguntei, mas deste lado da morte ninguém responde. 
 pedro sena-lino








tantas vezes na vida inventei memórias de dias felizes. só para sofrer menos. para que os dias passassem mais depressa - às vezes perdia-me. sem saber se era realidade o que vivia ou uma memória feliz que inventara - contigo nunca foi preciso inventar memórias. todos os dias eram felizes no teu rosto branco como neve. foste a ruiva mais ruiva que já conheci. a amiga mais amiga que nunca tive - às vezes descíamos a calçada como dois sardões ao sol. tão devagar que o tempo nem passava por nós. depois corríamos a rasgar o verde de uma infância sem sombra - queria para ti um mundo maior. uma vida mais vida - que fazer enquanto a morte cresce. que fazer enquanto ninguém dorme - que a dor não te incomode e a luz te abrigue.



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