quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Não é fácil resistir a tudo
o que nos roubam.
Tempo, memória, mundo.
Toleramos o insuportável
com insuportáveis venenos.
Até melhor ordem, se houver.
Noutras casas (lembro-me)
éramos mais, bebíamos
apressadamente a juventude.
Mas a vida — chamemos-lhe
assim — separa os que se juntam,
gosta de abismos fáceis.
manuel de freitas
Faz de conta que ela era uma princesa azul pelo crepúsculo que viria, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que sangue escarlate não estava em silêncio branco escorrendo e que ela não estivesse pálida de morte, estava pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz-de-conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz-de-conta verde cintilante de olhos que vêem, faz de conta que ela amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de marinheiros que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos da gratidão mais límpida, faz de conta que tudo o que tinha não era de faz-de-conta, faz de conta que se descontraíra o peito e a luz dourada a guiava pela floresta de açudes e tranqüilidade, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando.
clarice lispector
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
ruy belo
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Quando duas almas, e digo bem,
se enamoram uma da outra,estamos perante um caso fragrante
de romantismo inglês. A princesa,
o dragão e o senhor chapéu de coco:
tanto basta para um drama
em que o remorso é o artista
principal. São assim os infelizes,
não conseguem partir um prato
sem ficar tolhidos pelo sentimento
de culpa. E por isso, sentem eles,
o melhor é estar quieto na berma
do sofá, e ter medo de tudo,
de tudo menos da infelicidade.
josé miguel silva
Não sabemos nada
Nunca saberemos se os enganados
são os sentidos ou os sentimentos,
se viaja o comboio ou a nossa vontade
se as cidades mudam de lugar
ou se todas as casas são a mesma.
Nunca saberemos se quem nos espera
é quem nos deve esperar, nem sequer
quem temos de aguardar no meio
de um cais frio. Não sabemos nada.
Avançamos às cegas e duvidamos
se isto que se parece com a alegria
é só o sinal definitivo
de que nos voltámos a enganar.
amalia bautista
não. não há por dentro da noite nenhuma forma mais bela de te dizer estas coisas. como haveria. se olhar os olhos de noite é como fechar os punhos ou morder os lábios. já não há mãos nem bocas na noite. nem há noite nos lábios ou nas mãos que não há. só o deserto blindado dos rostos amenos. uma voz muito fina, muito fina e esguia, a construir túneis na pele. o corpo é um pedaço inacabado de terra. e não há dentro da noite nenhuma forma mais bela de te dizer que amanhã já não é.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
tenho um pequeno lugar preso entre os dedos, um lugar de pó, com dois rostos enormes dentro e um pequeno corpo seguro por uma prateleira de fruta. é um lugar que o dia inteiro lembrei como à canção do charles aznavour. tinha um ar muito apertado e cheio, cheio de pequenas coisas que o tempo já levou e que a minha memória teima em não esquecer, como um frasco de flocos de neve escondido entre duas tronchas.e eu viria a ser dessa tarde para sempre a minha senhora de alguém, a la boheme de charles aznavour.
não canses as palavras nem a boca zé. talvez mais logo quando for de noite te apercebas que as gaivotas moram nas nuvens. porque as nuvens não se vêem de noite, nem a noite conhece as nuvens. mas o mar sabe delas e da noite e das gaivotas e de tudo. sabes, um dia destes trago-te uma nuvem, dessas nuvens baixas que me ficam na cabeça, enroladas nos cabelos. faz dela o que quiseres, algodão doce, uma fisga, um mar, uma casa. se adormeceres na nuvem lembra-te de mim, como as gaivotas também eu me escondo nas nuvens para que as noites não me encontrem.
Quem sou eu?
De onde venho?
Sou Antonin Artaud
e basta que eu o diga
Como só eu o sei dizer
e imediatamente
hão de ver meu corpo
atual,
voar em pedaços
e se juntar
sob dez mil aspectos
diversos.
Um novo corpo
no qual nunca mais
poderão esquecer.Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,
meu pai,
minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre
morto.Mas um vivo morto,
Um morto vivo.
Sou um morto
Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida.
Eu represento totalmente a minha vida.
Onde as pessoas procuram criar obras
de arte, eu pretendo mostrar o meu
espírito.
Não concebo uma obra de arte
dissociada da vida.
Este Artaud, mas, por falta do que fazer…
Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marseille
no dia 4 de setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria.
antonin artaud
É mais fácil de longe imaginar
o que seria ter-te aqui presente
do que seria ter-te e não saber
com que forma de corpo receber-te.
Talvez um amplo véu oriental
ou o brilho mental de uma armadura
me deixassem arder sem ser molesto
no lume horizontal de uma figura.
Se te vejo, já está o meu desejo,
enquanto estavas longe, satisfeito;
no teu olhar encontro tudo quanto
à altura de amor é mais perfeito.
E no entanto, perto, fico incerto
se não é melhor bem o que imagino.
antónio franco alexandre
Tal como és, assim te quero, e sempre
diverso cada dia do que foste;
cada imperfeito gesto que inventares
me fará desejar-te em outro verso.
Da arte do soneto feito mestre
no concurso sem regra da floresta,
na mais pequena folha te descubro
e no caule do vento é que te perco.
Da turva luz já retirei o emblema
que me sirva de rosto permanente
e venha o cabeçalho do poema;
e pedirei á noite que me empreste
um farrapo do manto incandescente
de que se veste, agora, para ter-te.
antónio franco alexandre
sábado, 25 de setembro de 2010
Anda, vou-te mostrar a terra
dos teus pais, avós, antepassados
tão antigos que os podes escolher.
Este aqui é noé, de barba por fazer;
meteu na arca puro e impuro, bem e mal,
inventou o vinho, homem melhor
da sua geração (não é grande elogio),
teve filhos, netos, é de crer que morreu.
Estoutro, não sei bem, era pirata na malásia.
Vês as colinas? São tuas, quando
as olhas a direito. Realmente tuas,
parte de um mundo teu.
Sim, isso são filosofias,
tens razão. ( E tem graça ao ter razão).
Anda daí, vou mostrar-te o colete de forças
onde era costume, sabes, tratar casos assim.
antónio franco alexandre
se o meu amor fosse
uma chama, ou um farolim de bicicleta,
não teria, decerto, estas mãos telegráficas cantando
à chuva, num pátio sem antepassados;
iria, de pneu sobresselente a tiracolo, até ao cimo
da corola terrestre, só
pelo poder da natureza.
À volta das mesas, um sussurro acompanha
o seu discurso amplo, o esvoaçar sublime
das mangas arregaçadas. Não assim.
Escoa-se na cal, nos fios de tinta,
fica poroso e vil em meio à cinta.
Fosse um braço a romper pedra! E não assim: perdido
dentro de mim, como uma mosca absorta.
antónio franco alexandre
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhastes súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já a minha única viúva
Não posso dar-te mais do te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
ruy belo
sei que nunca viste o oceano,
que nunca olhaste a onda sobre a onda,
que nunca fizeste castelos para o mar ser forte,
mas sei que já viste o coração das coisas,
que já tocaste a ferida nos nossos braços,
que já escreveste para sempre o nome da terra.
por isso te digo que vou levar-te o mar
na concha das minhas mãos, azulíssimo,
para que nele descubras o meu nome
entre os seixos os búzios os rostos que já tive."
vasco gato
Fica ao menos o tempo de um cigarro, evita
comigo que este tempo ande. Lá fora
são as casas, vive gente à luz de um candeeiro,
o som que nos chega apagado pela distância
só denuncia o nosso silêncio interrompido.
Ajuda-me, faremos o inventário das coisas
menos úteis, mágoas na mágoa maior do tempo.
Fica, não te aproximes, nenhum dia
é menos sombrio, quando anoitecer vamos ver
as árvores cercando a casa.
helder moura pereira
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
sempre o mesmo silêncio breve. a calcificação dos dentes, à barriga um formigueiro miúdo, de quem não espera mas sempre alcança. socorro-me do teu nome para falar do tempo ou das figuras que a gente faz ao falar sozinho. o teu riso, terno riso longo de manhã, cansado ao fim da tarde como os gatos no telheiro. um dia talvez descubra na geada o perfil das histórias que contavas, brancas, brancas, como a tua pele a amanhecer. um dia talvez, meu amor. um romance dito pela língua da boca que cala.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
um espaço de braço a braço, vazio. olhos que abraçam os braços parados, seguros por uma nesga de tempo incerto, num espaço ocasional como um gemido. a memória que dói, a do teu rosto entre os braços parados. o abraço. e lembra-lo ininterruptamente até tu existires assim para mim, no espaço que vai de braço a braço.
esta tarde apareceu-me um poema na soleira da porta. quis dizer-to como quem chama o teu nome por cima das árvores de fruto ou das nuvens cheias. partiu-me a voz. não to disse com medo que chorasses, as lágrimas não tratam bem do peito. repeti o teu nome pela tarde, nos espaços vazios que vão de um braço ao outro. que dois braços são metade de um abraço que virá. e o tempo ficou parado no primeiro verso, apertado ao segundo por um pedaço muito fino de cabelo. não to disse mas o poema na soleira da porta era o teu rosto.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Caiu a chuva, depois o silêncio, e em surdina
apenas o ruido das máquinas mastigando o remorso.
Para o pouco do grande amor que te tive nasce em mim,
ó quase desconhecida, um pensamento. Breve,
leve, e já se perdeu a inquietação, esvoaçou
da caixa em que a fechara. Nos braços
do visitante que veio para o fim-de-semana os teus
olhos pousam devagar na sombra da cadeira,
tu pensas em mim,
e sem te assustares beijas devagar as suas mãos.
joão camilo
Vou finalmente fechar o postigo, expirar a entrada mais feliz
do meu coração. É altura, José, de deixar as flores secarem,
o poço ganhar a escuridão que vem ameaçando há anos.
Soltarei de vez os canários e os pardais que prendi
naquela gaiola, junto ao coberto. Da mesma forma
que o farei contigo – segue o teu caminho e deixa que
este pobre velho que a vida baralhou encerre os seus pulmões
e procure noutra casa entradas maiores para o maior coração.
jorge reis-sá
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
ruy belo
casa. talvez por ser pequena e se ouvir os peixes na cozinha. talvez por ser velha e se ouvir os canos no quarto. talvez por ser minha é que gosto dela. casa. lá fora ouve-se a cidade. o movimento circular dos carros na rotunda, o sino. são dez horas da noite e eu estou feliz. talvez mais tarde te mostre as sombras da planta na parede. ou te conte de como os livros se encontram uns com os outros na prateleira. clarice lispector comigo, até de madrugada, à secretária, quero que me fale de amor. na estante descansa a ofélia - daqui não me parece triste. o baltazar à janela. lá dentro, sobre a mesinha de cabeceiras três bonecos conversam - consigo ouvi-los daqui, falam baixinho e depressa, histórias que a madeira retém. o óscar no aquário faz bolhas pequenas junto à superfície. reparo agora que estou só com a casa e os peixes e os canos e a clarice e a ofélia e o baltazar e a planta. e estou feliz.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
não chorar. hoje. não chorar. talvez mais tarde quando os teus braços forem o betão armado nas paredes da casa. brancas. muito brancas. talvez mais tarde chorar quando os pés correrem em direcção à luz. muito branda. branca. nas paredes. não sei em que lugar te escondes. talvez mais tarde o conheça. hoje não. chorar. talvez mais tarde.
Quero dizer-te uma coisa simples:
a tua ausência dói-me.
Refiro-me a essa dor que não magoa, que se limita à alma;
mas que não deixa, por isso,
de deixar alguns sinais -
um peso nos olhos, no lugar da tua imagem, e um vazio nas mãos.
Como se as tuas mãos lhes tivessem roubado o tacto.
São estas as formas do amor,
podia dizer-te; e acrescentar que as coisas simples
também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre
o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória;
e a realidade aproxima-me de ti,
agora que os dias correm mais depressa,
e as palavras ficam presas numa refracção de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de mim -
e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.
nuno júdice
Ninguém me dissera que os incêndios são homens
a arder no interior das suas memórias com as mãos
nas têmporas e demónios à volta da mesa. Ninguém
me falara da roseira que houve no jardim, já a morte
induzia a intempérie contra o meu corpo parado.
Ninguém me explicara que se sobrevive sem útero
na margem dos dias.
josé rui teixeira
Onde tu pousas as mãos,
naturalmente
eu vou pousar as minhas. Um silêncio
faz-se pela casa, uma luz coada vem da janela
e cobre os móveis de uma poalha
doirada. Os objectos estão quietos
como nunca.
Onde tu pousas as mãos,
onde tu pousas mesmo se brevemente as mãos,
torna-se íntima a percepção que se tem de cada hora,
de cada amanhecer,
de cada exacto momento. O entardecer
é só um vasto campo que se abre,
um rumor de folhas que restolham no jardim.
Escrever é ler,
ler é escrever - eu sei isso
porque em cada sítio onde [do meu corpo] tu pousaste as tuas mãos
ficou escrito - eu vejo-o: nítido -
sobre o mais frágil espelho dos sentidos, uma palavra que se lê
de trás para diante. Quando te deitas eu sinto-lhe o perfume,
que é o da noite que entra pela janela.
E onde tu pousas as tuas mãos faz-se um rio
de prata e de quietude mesmo nas minhas mãos
que pousam onde as tuas foram antes procurar
a quietude, procurar as tuas mãos. São exactas as tuas mãos,
são necessárias, têm dedos
que são os filamentos de gestos que descrevem na penumbra
desenhos tão perfeitos que surpreendem.
Onde tu
pousares as tuas mãos
eu quero estar.
Exactamente como a sombra
cai na sombra. A água
na água. O pão
nas mãos.
bernardo pinto de almeida
Que quer dizer a mágoa sempre que se deixa
fazer sentir, quando se afasta depois
de ocupar os únicos sítios? O que quero
dizer fica menos veloz. A evitar o azul branco
do céu sobre mim, a visitar esta terra só
de inverno. Seria inútil começar agora
uma conversa mais explícita, talvez
sobre o ritmo exigente da cidade em que estás
ou sobre a actividade quase perfeita das crianças
em redor. Prefiro calar-me, sentir o vento
que vem do mar, rir um pouco tropeçando
na madeira corroída.
De pouco serve escutar assim as vozes
já tão cansadas, antes a cuidadosa escolha
das tábuas a pôr na casa vazia. Depois
falaste-me de um eco, de um barco inclinando-se,
da casa que não tens.
Esgota-se o que mais falta. Que vamos
dizer? Está bem amo-te. E ao fogo
acabando na cinza, à manhã que não existe.
helder moura pereira
sábado, 18 de setembro de 2010
[o que faz a nuvem]
mário osório
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#notas autobiográficas,
#palavras
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
maria do rosário pedreira
falar-te-ei de como se erguem
em flor as sementes,
de como o luar pode desfalecer
a solidão de um nome
e atirar-nos para o lugar das mãos
ao longe a púrpura dos dias,
do ar respirado, da vida
que não pára de bater
em cada grão de terra
- nas tuas mãos, o meu
coração de lã e o frio
que não mais te tocará
por ser possível ser feliz
vasco gato
Nem sempre a noite vem ao nosso encontro, para reconhecermos como uma luz acesa ao nosso lado traz consigo as mesmas recordações. Talvez acabe a solidão por ser ali menor. Estas são as imagens que connosco se confundem, quando nos aproximamos devagar uns dos outros, e reparamos na claridade que fica à nossa volta. Repetimos as palavras que tínhamos esquecido há muito. Sabemos que elas nos pertencem. Mas depois perdemo-las de novo. Para se unirem, as mãos têm que estar vazias?
fernando guimarães
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Se eu fosse árvore crescia-
-te numa mão cheia
se fosses o mar fazia-
-te castelos brancos na areia.
Se fosses flor arrancava-
-te com raiz e tudo
se eu fosse fogo fazia-
-te a casa em cinzas-veludo.
Se eu fosse ninfa sugava-
-te para o fundo do mar
se fosses estrela dava-
-te um tiro para caíres do ar.
ulla hahn
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Claro que se tem medo que alguém nos entre pelos olhos.
Mas podes arder. Para a tua temperatura sou mercúrio, li-
nhas de mão, lábio e sopro. Atravesso-te porque me atra-
vessas e onde somos corsários rendemo-nos ao encanto da
devolução.
Tu e eu à porta de um lugar que vai fechar tudo numa árvore.
Aqui onde os minutos são a rua em que nos sentamos toda
a tarde à espera do silêncio, onde o teu corpo pesa a me-
dida exacta do meu desejo.
Sou um animal. Necessito diariamente da transfusão de uma
enorme quantidade de calor. Tocas-me?
Vasco Gato
já não havia o sempre. todo o momento era este. as paisagens eram vazias, todos os pássaros, todas as árvores, todas as estações tinham fugido. estava só. mais só fiquei quando a terra correu. fiquei na noite, sozinha, esquecida entre um par de estrelas. a terra andou por longe com os pássaros e as árvores e as estações. quando a esqueci, voltou. deitou-me o corpo às nuvens. nada mudou. o coração estava apenas um pouco mais apertado. as árvores eram as mesmas, os pássaros eram os mesmos, a terra era a mesma. só o meu coração mudara, um pouco mais apertado, já acredita no sempre.
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um
poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
Maria do Rosário Pedreira
Somos a carne de um fruto atordoado. Somos o dia aparatoso
nas escadas, depois navios ancorados carregados de bruma.
Bebemos o sangue dos poentes como animais incrédulos
de morrer.
Quando tens frio, risco-me como fósforo na tua pele ondu-
lada. E dá-se o acidente nas gavetas.
As tuas pernas afogam-se em poços de água, eu tenho os bra-
ços engessados numa parede violenta - porém beijamo-
-nos na boca lenta da madrugada.
O meu nome acordou povoado pelo teu nome.
Vasco Gato
terça-feira, 14 de setembro de 2010
E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu não ouves e ver filmes óptimos ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa da televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu ________ e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender porque é que pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar quem tu és mas aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de árvores-anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e pensar porque é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e esquecer-me de quem eu sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do esmagador, imortal, irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e infindável amor que tenho por ti.
Sarah Kane
acreditar, é preciso. sobretudo quando os olhos se fecham. puder deixar os olhos fechar, não sei se me entendes. deixar a vida acontecer sem ter de correr atrás dela. parar. nunca ninguém me disse que existia este tempo de ficar tranquila. o coração é um lugar tão grande, que encolhe tanto. se tu soubesses. hoje mesmo acordar de um sonho e viver outro. os pés fora da cama atrás das nuvens, o corpo já não corre. o coração bate, ficar a ouvi-lo bater. ter tempo. sabes, ter tempo. acreditar, é preciso. mais tarde talvez te conte uma história bonita, de uma menina que tinha um sonho e o viu tornar-se realidade.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
todos os lugares só o são na pronunciação do teu nome. nenhum pássaro migra agora. já quase outono. já quase mês de aniversário. não quero hoje partir, não como outrora, deixar calar o coração. inquieta hei-de ficar só nos teus braços. quando os teus braços se transformarem em asas e baterem em direcção ao sol. todos os nomes param no teu, suspensos. já não os compreendo, não como outrora. o rosto tem agora outro nome. a beleza tem agora outro rosto. todos os lugares só o são na pronunciação do teu nome. nenhum pássaro migra agora. já quase outono.
domingo, 12 de setembro de 2010
Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.
Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragrância obscura.
E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.
Julio Cortázar
No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes géneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afectivas, as da alma (mais bonitas não há) e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície, começando pelo cabelo e couro cabeludo e descendo metodicamente, sem pressas, até aos adorados pés, lugar dos calos, cãibras, frieiras, joanetes, unhas encravadas, pústulas, gangrena, pé boto, pé de pato, pé-de-galo, pé-de-cabra, pé chato, pé de atleta e outras bizarrias. E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.
Samuel Beckett
sábado, 11 de setembro de 2010
Gostava dessa espécie de beleza
que podemos surpreender a cada passo,
desvelada pelo acaso numa esquina
de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta
que foi toda a infância de alguém,
com visitas ao domingo e tardes no quintal
depois da escola; a beleza crepuscular
de alguns rostos num retrato de família
a preto e branco, ou a de certos hotéis
que conheceram há muito os seus dias de fulgor
e foram perdendo as estrelas; a beleza condenada
que nos toma de repente, como um verso
ou o desejo, como um copo que se parte
e dispersa no soalho a frágil luz de um instante.
Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós
consigo mesmo, essa espécie de beleza arruinada
onde a vida encontra o espelho mais fiel.
Rui Pires Cabral
Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.
Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guia
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.
Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos cardos deste sol de morte viva.
Ser como sou e ver-te como és:
dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva
José Gomes Ferreira
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Conta-mo outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
Repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
Que ela não lhe foi infiel, que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la. E não te esqueças
de que, apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
Conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.
Amalia Bautista
Como eu gosto de ti, ninguém o entenderia. Nem a cama esvaída que me obriga a desprender-me do corpo noutras roturas nocturnas e azedas. Nem a solidão taciturna que escorre devagar nos chuviscos flamejantes do amor. Como eu gosto de ti, nem o mundo o aceitaria. As árvores trépidas, os animais ferinos, a cadência dos lagos, mobília sisuda que ganha a morte sobre o couro crestado. Como eu gosto de ti, só a melodia do poente trova. E se a antemanhã sucumbe nas copas das sequóias - ricocheteando como uma bala célere - perfurando como um comboio alucinado - a incerteza dos teus sinais desmancha-se sobre os meus lençóis na loucura do leito. Como eu gosto de ti, só eu sei, de dentro para dentro, como um confim de baús entreabertos às galáxias chamejantes do céu da boca. Como eu gosto de ti, segredando-me da voz o rasto da tua presença, pernoitando-me de corpo fixo e amor esquivo, a temperança das tuas enchentes.
Alice Turvo
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
eugénio de andrade
terça-feira, 7 de setembro de 2010
não há como não dizer amor quando o tempo corre. uma flor abraça o corpo que espera que o teu rosto o beije. hoje na primavera todas as árvores andam à raiz das folhas. não há como não dizer amor. quando o tempo corre com a primavera, e a chuva de mãos dadas. se a flor murchar na terra seca são os sonhos que choram. e eu.
Eventualmente paso días enteros sangrando
(por negarme a ser madre).
El vientre vacío sangra
exagerado e implacable como una mujer enamorada.
Si los hijos no salieran nunca
del cuerpo de sus madres
juro que tendría uno ahora mismo,
para sentirlo crecer dentro de mí
hasta poseerme como en una sesión espiritista
o como si mi bebé y yo
fuéramos muñecas rusas
una llena de la otra
mamá llena de bebé.
También tendría un hijo
si ellos siempre fueran bebés
y pudiera sostenerlo en mis brazos por encima de la realidad
para que mi niño nunca pusiera los pies en la tierra.
Pero ellos llegan a ser
tan viejos como uno.
No alimentaré a nadie con mi cuerpo
para que viva este suicidio en cuotas que vivo yo.
Por eso sangro y tengo cólicos
y me aprieto este vientre vacío
y trago pastillas hasta dormirme y olvidar
que me desangro en mi negación.
Eventualmente passo dias inteiros sangrando
Eventualmente passo dias inteiros sangrando
(por negar-me a ser mãe).
O ventre vazio sangra
exagerado e implacável como uma mulher enamorada.
Se os filhos não saíssem nunca
do corpo das suas mães
juro que teria um agora mesmo
para senti-lo crescer dentro de mim
até me possuir como numa sessão espírita
ou como se o meu bebé e eu
fossemos bonecas russas
uma cheia da outra
mamã cheia de bebé.
Também teria um filho
se eles fossem sempre bebés
e pudesse sustê-lo em meus braços acima da realidade
para que o meu menino nunca pusesse os pés na terra.
Mas eles chegam a ser
tão velhos como qualquer um.
Não alimentarei ninguém com o meu corpo
para que viva este suicídio em cotas que eu vivo.
Por isso sangro e tenho cólicas
e aperto este ventre vazio
e engulo comprimidos até adormecer e esquecer
que me esvaio na minha negação.
miriam reys
Toujours pour la première fois
C’est à peine si je te connais de vue
Tu rentres à telle heure de la nuit dans une maison oblique à ma fenêtre
Maison tout imaginaire
C’est là que d’une seconde à l’autre
Dans le noir intact
Je m’attends à ce que se produise une fois de plus la déchirure fascinante
La déchirure unique
De la façade et se mon cœur
Plus je m’approche de toi
En réalité
Plus la clé chante à la porte de la chambre inconnue
Où tu m’apparais seule
Tu es d’abord tout entière fondue dans le brillant
L’angle fugitif d’un rideau
C’est un champ de jasmin que j’ai contemplé à l’aube sur une route des environs de Grasse
Avec ses cueilleuses en diagonale
Derrière elles l’aile sombre tombante des plants dégarnis
Devant elles l’équerre de l’éblouissant
Le rideau invisiblement soulevé
Rentrent en tumulte toutes les fleurs
C’est toi aux prises avec cette heure trop longue jamais assez trouble jusqu’au sommeil
Toi comme si tu pouvais être
La même à cela près que je ne te rencontrerai peut-être jamais
Tu fais semblant de ne pas savoir que je t’observe
Merveilleusement je ne suis plus sûr que tu le sais
Ton désœuvrement m’emplit lex yeux de larmes
Une nuée d’interprétations entoure chacun de tes gestes
C’est une chasse à la miellée
Il y a des rocking-chairs sur un pont il y a des branchages qui risquent de t’égratingner dans la forét
Il y a dans une vitrine run Notre-Dame-de-Lorette
Deux belles jambes croisées prises dans de hauts bas
Qui sévasent au centre d’un grand trèfle blanc
Il y a une échelle de soie déroulée sur le lierre
Il y a
Qu’à me pencher sue le précipice et de ton absence
J’ai trouvé le secret
De t’aimer
Toujours pour le première fois
andré breton
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
nenhuma outra forma de o dizer sem a boca se abrir só pela metade. nenhum círculo perfeito onde a cara coubesse, se o corpo fosse ao contrário. nenhuma ainda palavra dita com as mãos esticadas. nenhum silêncio a mais. nenhum motivo. nem as manhãs, nem as tardes nem às noites. nada se diz agora ao tempo, nem cansaço, ainda não o tendo, ainda não. nenhum saber que, dizer que, fazer que, quando a cara voltada para o espaço vazio der conta do que lhe falta.
uma pequena história de um pequeno homem que trazia o coração ao nível da cabeça. uma estranha história, de fazer corar as faces velhas e fazer rir as novas. era um pequeno homem, atravessou a rua com o coração ao nivel da cabeça, suspenso, seguro apenas numa das extremidades por um fio de cabelo. chama-se Sr. Éme. sentou-se no banco no meio da praça. havia um pássaro às voltas, quis pousar-lhe no coração mas o pequeno homem não deixou. o pássaro desistiu, fez-se a uma nuvem. o pequeno homem viu-o atravessar a copa das árvores em direcção às nuvens, pouco depois desaparecera céu dentro.
domingo, 5 de setembro de 2010
abraço o espaço vago onde tu faltas, com os dois braços, aperto muito, de força, contra o peito. quero ficar assim. guardar-te assim na memória. o espaço vago que abracei, o que pensei seres tu, onde tu faltas. e se abrir os olhos ainda aqui estás. eu sei. a tua cabeça no meu ombro, as tuas mãos nas minhas costas. eu sei. se abrir os olhos ainda aqui estás.
outros fumos.
o poema é assim
idiota
pulsar de carne em meia hora
trapézio de circo em cores vivas
solidão imensa em tarde
de agosto.
leque da noiva andaluza
ditirambo algemado
sopro do trivial ao nunca visto
duas palavras ditas a contra-tempo
no silêncio
das mãos pousadas.
e a noite a tragédia de um vizir
lâmina, adaga & cortantes os desejos
que se abrem e não deixam de florir
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sábado, 4 de setembro de 2010
às vezes lia uns poemas, às vezes fumava uns cigarros, para enganar a solidão. ficava só ali de corpo recto à chuva. olhos muito abertos. mãos muito fechadas. às vezes sorria mas só quando ninguém o podia ouvir sorrir. por essa altura falava com os poemas, para enganar a solidão. o homem baixa agora os olhos, ao nível do peito são eles que vêem o que o coração não viu, que há outros que choram, que há outros que ficam a ler poemas até tarde.
que fizeram às tuas mãos as histórias tristes que contavas quando eu acordava de madrugada. que fizeram às tuas mãos. de madrugada. e todos os sonhos das histórias tristes que tinha, que me contavas, foram com as tuas mãos, de madrugada. não sei agora que fazer das minhas mãos que te acordavam, de madrugada, quando os sonhos das histórias tristes que tinhas me acordavam.
paulo nozolino
é num dia (fragma) de luz persistente, acompanha os movimentos do peito onde um coração não tem mais pulso. um pouco mais à frente a gente não fala, não sabe que palavras usar para dizer silêncio. não há nenhumas lágrimas, as que havia levou-as a pólvora com as mãos. só na vereda o tempo respira, ali parou no gesto procedente. já vai pouco o dia (fragma) de luz persistente. onde nada foi de já ter sido.
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