quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

 - não há recomeços sem luz. eu acredito - quando fixas o olhar assim nas nuvens. descobres que o céu é um lugar de crescimento. de aprendizagem. de renascimento - hoje fixei o olhar em ti. vi o céu. vi a luz - por vezes o mundo parece que corre à frente do teu coração e que todas as árvores vivem aprisionadas nesta terra - outras vezes dá-se a grande libertação de conceitos. de memórias. e tudo é. irremediavelmente. novo - também tu. como tu. novo - a despertar para uma outra realidade de ser. onde não há questionamento nem nada - onde ser invisível é fechar os olhos e deixar-se ir - não há lugares comuns. há desconhecidos. há memórias inesquecíveis. de outras eras. de tempos e espaços de longe - hoje fixei o olhar em ti. vi o céu. vi a luz - acredito

domingo, 12 de abril de 2020




















ezgi polat









o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

antónio franco alexandre





sei: o caminho nunca acaba. princípio e fim. no coração que sente. na alma que procura - e o que é vive em mim. tão forte que lhe reconheço o traço. como um rosto bendito à procura de Deus nas pedras. no mar. na estrela. na vida - pergunto: ainda acordas com os olhos vivos de esperança - é de luz que se fazem os teus dias - caminhas com o coração leve - é por dentro de ti que os milagres se dão como sorrisos. tão certos que a fé não se acaba nunca. tão cheios que o mundo te cega de amor - és. o lugar feliz. a memória perene. a saída do vão. a presença de tudo. o definitivo - e tanto me dás que no peito uma âncora - e tanto me dás que no peito ar puro: sussurro - santifica-me o nome na boca. à boca de tudo o que é. agora - não sei. adivinho o futuro: dois peitos abertos como braços ao vento

mar







domingo, 24 de novembro de 2019
















às vezes encontro-te na margem do futuro à espera - o que esperas quando assim me olhas como se visses o caminho - haverá caminho. seremos o caminho - nesta viagem de ser em consciência perdi-me da paisagem. foco-me na essência - um manto verde. um sopro de neblina. sou agora a paisagem - o meu coração dormente pela tua falta- não te quero esquecer. perpetuar-te como a uma vertigem - dou conta do mundo todo no coração tardio. complicada é a vida vista de cima - desapareces no início dos dias. reapareces já noite alta com conversas sinceras - que fez de ti a escuridão e o bréu. pergunto. porque foges de nós - ao fundo a esperança. uma nesga de luz forte reacende o fogo - ilumino-me como uma fogueira. ardo o teu nome de uma vez para sempre. 










quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019








eu. tantas vezes só. dentro do meu coração. esperando               - que te regresses por dentro da mata e me mostres que estar vivo é a maior bênção - a luz consome-me e quando fecho os olhos é o teu rosto que vejo. todo iluminado - nunca esperei que te roubassem de mim assim. tão forte. que as minhas raízes se abriram em ferida de 2010 até hoje - sento-me em todos os precipícios. tão pequeno é mundo quando visto do alto. tão pequenas as mágoas. sinto a copa das árvores nos meus pés. inspiro ar puro até levitar - acredito que me possam ainda salvar. que este estar assim inteiro te possa regressar - procuro pelo melhor de mim nas nossas memórias e reconheço-me no teu sorriso - que azul imenso. pelos teus olhos dentro. mergulho - o teu corpo aberto para me receber. que graça tão grande. que sobrevivência póstuma - quero ficar. quero partir. a mulher que sou grita por ti. somos as duas uma só. eterna




terça-feira, 22 de maio de 2018













na tua falta escrevo. para não morrer. para que me não levem os pesadelos - é que há dias em que a morte me ronda. como um desassossego lento. a inquietar-me por dentro até aos ossos - procuro por ti. sinto a tua luz movimentar-se ténue em meu redor à procura da luz em mim. uma luz que se desvanece - a maldade da humanidade tem uma escuridão tamanha. e escrever-te isto dói pela não esperança que é admitir que sendo um óasis não chego para acalmar de vez todos os desertos de amor - entardeço com o mar no horizonte. e haverias de sorrir por me ver finalmente entardecer com água ao fundo - que pintura bonita é esta de assim ver perder-se o céu no mar e o mar no céu. um azul imenso a atenuar as sombras - e a beleza da casa. com peixes dentro. regressa-me. sinto o gosto da vida. a pele fresca no fim de tarde e sorrindo apareces-me como um fantasma. a pairar numa nuvem de luz inesgotável. tão singela. clara - que me esperes e guardes nesse lado do mundo onde a dor não perdura. onde o amor não se afugenta por sombras e escuridão. que me ampares e acalmes quando a esperança fugir e regresses sempre até mim quando a luz me faltar 











sexta-feira, 20 de abril de 2018




jonna jinton





Ninguém
oferece flores.

A flor,
em sua fugaz existência,
já é oferenda.


Talvez, alguém,
de amor,
se ofereça em flor.


Mas só a semente
oferece flores.

mia couto














e de manhã o canto dos pardais e um cheiro a musgo a invadir o corpo: quero uma cabana de costas voltadas para o mundo e coração aberto para o céu - construíste-me uma cabana de paus tratados e ervas daninhas. dizias que dali se viam melhor as estrelas - acreditei em cada palavra tua. fiz-me futuro em cada memória. por seres tu. por te ter em mim a amanhecer em cada dia novo. a ser luz e vida e graça em cada palavra - a vida fez-me de silêncio - orai e vigiai: palavra do senhor - orei e vigiei até as pálpebras se não aguentarem abertas. fecho os olhos à vida. quero consumir-me de amor para sempre - enquanto eu for vida escreverei o teu nome em cada árvore: valentina - tudo está consumado na memória do teu abraço. num silêncio perene até desaparecer à margem - avó. fiz-me árvore. cresci. vou encontrar-te agora para um sorriso inteiro.












terça-feira, 3 de abril de 2018




jonna jinton






As mãos pressentem a leveza rubra do lume
 repetem gestos semelhantes a corolas de flores
 voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
 encalhada como um barco nos confins do olhar

 ergues de novo as cansadas e sábias mãos
 tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
 o amargor húmido das noites e tanta ignorância
 tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
 quase nada

  al berto





tão longe que o mundo não nos pudesse agarrar e o corpo pequeno. de repente. cai para dentro do teu peito. o teu coração feito ninho. onde é possível nascer uma e outra vez. as vezes que forem precisas. até se ter força para enfrentar a escuridão de peito aberto - sigo os teus passos como sonhos que se tornaram estrelas no céu - em todas as noites percorro as tuas rugas. quero enfrentar o vazio. a certeza de ser só na vida - peço-te que regresses ao castanho dos meus olhos. ilumina-me - sei que me acompanhas e me percorres como eu te percorro. passo a passo. peço-te que regresses e te faças árvore. que me abraces forte até o coração ganhar raízes - voo com os pássaros. migro nas estações. rebento de amor. sufoco de tristeza. há em mim um sentir que não compreendo. um sentir tamanho que entontece - talvez um dia descubram que vivi como uma danada. sem ânsia. sem vergonha. sem dor. sem nada. pelo gosto de viver e ser assim - até ao fim dos meus dias descobrir-me em cada amanhecer e só tu. só tu me aplaudias em cada queda e reconhecias as minhas cicatrizes. como marcas de aprendizagem da alma - estaremos sempre juntas. sangue do meu sangue. alma da minha alma.