terça-feira, 8 de agosto de 2023





laura makabresku 






“(...)


e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca do mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão.


(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)


um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade”


al berto










vou parir pela manhã a primeira flor na boca. uma palavra antes de ser primavera - trago no colo o infinito. o bréu da noite estrelada - sou do mundo mas o mundo não é meu - onde estás mãe que não te encontro nas estrelas - quando morrer vou para o céu. mas não vou com pressa porque amo a vida. as árvores e a tua pele - no teu corpo escrevi palavras eternas - espera - em que dia estamos. que tempo é este que já não é teu - respiro fundo - recordo-me dos teus lábios azuis gelados. num suspiro a vida fugiu-te. o coração vazio - eu grito e esperneio por dentro. porque a pele não permite que a dor se expresse - sem ar - volta depressa esta noite. mãe - sangue inquieto nas veias. corpo dormente. a vida está ausente - pausa - perder-te para me encontrar. sempre e cada vez mais. agora.












 

terça-feira, 25 de julho de 2023









 laura makabresku





Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.

Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma ténue ferida.

cecília meireles







uma ave no ombro. pára - o voo interrompido pela força do vento - um leve bater de asas. alívio. só o amor nos salva. quando o corpo perto - dentro. tão dentro. desperto - um coração contra o tempo - uma vida em alarme - quero adormecer no teu colo. como um passado perfeito. num pretérito esquecido - para que lugares foges quando a noite fria - entra. não esperes mais. ontem já era tarde - o corpo inteiro em chamas. por ti - um golpe de asa no peito - amor. 








segunda-feira, 24 de julho de 2023






elizabeth gadd





'Que o amor te salve nesta noite escura,
E que a luz te abrace na hora marcada,
Amor que se acende na manhã mais dura,
Quem há de chorar quando a voz se apaga?

Ainda há fogo dentro!
Ainda há frutos sem veneno!
Ainda há luz na estrada!
Podes subir à porta do templo,
Que o amor nos salve...'
pedro abrunhosa



um beijo inverno em agosto. a boca gelada na minha. e tudo foi como sopro - eu encolhi. mirrei. queria voltar para dentro da tua barriga. nascer de novo - mãe - não estava preparada para a tua morte e ainda assim vi tantas estrelas. um cosmos de amor e dor - caíste para o silêncio com a força de um trovão. a tua alma desapareceu num suspiro - já nos meus braços tudo tão longe. um grito mudo. um adeus imenso. o vazio - mãe. não me morras. fazes tanta falta neste mundo. como haveremos de viver sem ti - e a alegria a ir-se contigo. a desaparecer na tarde quente - abracei-me a ti. fechei os olhos - que o coração bata de novo. que tudo não passe de um susto - silêncio - ninguém me acode - uma corrente de lágrimas sem destino. sem propósito. o desespero de quem fica -  sem raiz. sem chão. sem colo. sem mãe 







 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

 - não há recomeços sem luz. eu acredito - quando fixas o olhar assim nas nuvens. descobres que o céu é um lugar de crescimento. de aprendizagem. de renascimento - hoje fixei o olhar em ti. vi o céu. vi a luz - por vezes o mundo parece que corre à frente do teu coração e que todas as árvores vivem aprisionadas nesta terra - outras vezes dá-se a grande libertação de conceitos. de memórias. e tudo é. irremediavelmente. novo - também tu. como tu. novo - a despertar para uma outra realidade de ser. onde não há questionamento nem nada - onde ser invisível é fechar os olhos e deixar-se ir - não há lugares comuns. há desconhecidos. há memórias inesquecíveis. de outras eras. de tempos e espaços de longe - hoje fixei o olhar em ti. vi o céu. vi a luz - acredito

domingo, 12 de abril de 2020




















ezgi polat









o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

antónio franco alexandre





sei: o caminho nunca acaba. princípio e fim. no coração que sente. na alma que procura - e o que é vive em mim. tão forte que lhe reconheço o traço. como um rosto bendito à procura de Deus nas pedras. no mar. na estrela. na vida - pergunto: ainda acordas com os olhos vivos de esperança - é de luz que se fazem os teus dias - caminhas com o coração leve - é por dentro de ti que os milagres se dão como sorrisos. tão certos que a fé não se acaba nunca. tão cheios que o mundo te cega de amor - és. o lugar feliz. a memória perene. a saída do vão. a presença de tudo. o definitivo - e tanto me dás que no peito uma âncora - e tanto me dás que no peito ar puro: sussurro - santifica-me o nome na boca. à boca de tudo o que é. agora - não sei. adivinho o futuro: dois peitos abertos como braços ao vento

mar







domingo, 24 de novembro de 2019
















às vezes encontro-te na margem do futuro à espera - o que esperas quando assim me olhas como se visses o caminho - haverá caminho. seremos o caminho - nesta viagem de ser em consciência perdi-me da paisagem. foco-me na essência - um manto verde. um sopro de neblina. sou agora a paisagem - o meu coração dormente pela tua falta- não te quero esquecer. perpetuar-te como a uma vertigem - dou conta do mundo todo no coração tardio. complicada é a vida vista de cima - desapareces no início dos dias. reapareces já noite alta com conversas sinceras - que fez de ti a escuridão e o bréu. pergunto. porque foges de nós - ao fundo a esperança. uma nesga de luz forte reacende o fogo - ilumino-me como uma fogueira. ardo o teu nome de uma vez para sempre. 










quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019








eu. tantas vezes só. dentro do meu coração. esperando               - que te regresses por dentro da mata e me mostres que estar vivo é a maior bênção - a luz consome-me e quando fecho os olhos é o teu rosto que vejo. todo iluminado - nunca esperei que te roubassem de mim assim. tão forte. que as minhas raízes se abriram em ferida de 2010 até hoje - sento-me em todos os precipícios. tão pequeno é mundo quando visto do alto. tão pequenas as mágoas. sinto a copa das árvores nos meus pés. inspiro ar puro até levitar - acredito que me possam ainda salvar. que este estar assim inteiro te possa regressar - procuro pelo melhor de mim nas nossas memórias e reconheço-me no teu sorriso - que azul imenso. pelos teus olhos dentro. mergulho - o teu corpo aberto para me receber. que graça tão grande. que sobrevivência póstuma - quero ficar. quero partir. a mulher que sou grita por ti. somos as duas uma só. eterna