segunda-feira, 17 de setembro de 2012





laura makabresku









É mais fácil de longe imaginar
o que seria ter-te aqui presente
do que seria ter-te e não saber
com que forma de corpo receber-te.
Talvez um amplo véu oriental
ou o brilho mental de uma armadura
me deixassem arder sem ser molesto
no lume horizontal de uma figura.
Se te vejo, já está o meu desejo,
enquanto estavas longe, satisfeito;
no teu olhar encontro tudo quanto
à altura de amor é mais perfeito.
E no entanto, perto, fico incerto
se não é melhor bem o que imagino.
antónio franco alexandre





que amor esse que o corpo cega se a pele não sente. que amor esse onde a cabeça encosta o ouvido e os segredos se dizem numa língua que não conheço. que amor esse onde o coração fica só e o peito já sem feridas se esquece que ainda há guerra - pela manhã estranho não ver o rosto que os olhos obrigam a adormecer - quero acordar depressa. esquecer a vida. fugir do tempo. encontrar um lugar onde guardar a esperança - e talvez o futuro exista para nos ver passar de mãos dadas. de peito feito contra o horizonte. que uma luz muito forte nos leve depressa -


quarta-feira, 12 de setembro de 2012





laura makabresku












 Sozinho na noite da rua Augusto Gil, sentado no carro de motor desligado e luzes apagadas, o psiquiatra apoiou as mãos no volante e começou a chorar: fazia os possíveis para não emitir nenhum som, de modo que os ombros se lhe sacudiam como o das actrizes do cinema mudo, escondendo os caracóis e as lágrimas no abraço de um avô de barbas: Porra porra porra porra porra, dizia ele no interior de si mesmo, porque não achava dentro de mim outras palavras que não fossem essas, espécie de débil protesto contra a tristeza cerrada que me enchia. Sentia-me muito indefeso e muito só e sem vontade, agora, de chamar por ninguém porque (sabia-o) há travessias que só se podem efectuar sozinho, sem ajudas, ainda que correndo riscos de ir a pique numa dessas madrugadas de insónia que nos tornam Pedro e Inês em cripta de Alcobaça, jacentes de pedra até ao fim do mundo. E lembrei-me de uma pessoa me contar que em miúda a mãe a levara a fazer visitas numa época em que criaturas se relacionavam umas com as outras em bicos de pés de delicadezas excessivas; e então ela entrava em casas hirtas povoadas de grandes relógios e de pianos com castiçais onde a música se inclina a tremer na direcção do vento, escutava os lamentos das senhoras afogadas pelo damasco dos reposteiros e os suspiros dos mortos nos retratos da parede, e pensava: Como esta casa deve ser triste às três horas da tarde. De forma que anos e anos volvidos vertia álcool das farmácias nas jarras de flores para o beber às ocultas e conseguir desse jeito um meio-dia perpétuo.

  antónio lobo antunes











 não querer ficar triste neste dia em que o mundo começa por perceber que o tempo vai passando - ao deitar fecho os olhos depressa e rezo para dormir. que me dói a cabeça só de imaginar o tempo que resta até que o corpo se enterre - pouca gente me percebe. dizem que os dias grandes fazem bem ao coração. já sinto as cores do outono a galgar as margens da agonia - tenho pensados todos os dias onde ser feliz. espero ter tempo para ir a esses lugares onde me esperam os braços - estou cansada dos dias grandes e imensos onde te perdi. onde nos perdemos.