terça-feira, 26 de maio de 2015





ezgi polat






‘que nada existe e as coisas nascem no tocar
de minha mão inundada.
e é preciso esperar enquanto se morre,
e fica o campo sob o céu que se queima
preciosamente.
tenho agora a idade – e sei tudo.
digo: minha alegria é tenebrosa.
e eu desejaria levantar-me levemente
sobre as paisagens que se enchem de chuva
apaixonada.
desejaria estar em cima, no meio da alegria,
e abrir os dedos tão devagar que ninguém sentisse
a melancolia da minha inocência.
tanto desejaria ser destruído
por um lento milagre interior.’

herberto helder











uma linha de luz forte atravessa o vazio e vem aninhar-se no teu peito. em sobressalto alcanças o horizonte e olhas para trás. o meu corpo segue-te até às rochas – ao fundo ouvem-se os pássaros e uma corrente de ondas bravas cresce. no meio do areal a certeza do mundo que desaparece e. por segurança. eu seguro a tua mão – corres comigo pelo mar adentro. queres mostrar-me as sereias. e eu a dizer-te que sabia. que eram minhas irmãs de luz. princesas do sargaço – já tarde alta encostas-me ao teu peito e ficas a contar-me histórias – porque o amor não escolhe os tempos e os lugares. peço-te perdão por não te ter encontrado mais cedo. por não ter impedido os raios e as tormentas - e de noite mostro-te as constelações. conto-te as estrelas. e sei-te feliz quando a paz se faz verdade absoluta no teu peito




terça-feira, 19 de maio de 2015





laura makabresku











correm em mim os mortos
como água

herberto helder










perto. mais perto não há. dentro do coração. mais dentro. tão fundo que abrir os olhos é como desvelar vidas - às vezes o teu rosto nas minhas mãos. tão próximo da minha boca. a abrir sorrisos - quero dizer-te que o futuro é uma promessa que a vida prepara com extremo detalhe - quando por dentro da noite. meu corpo é feito de luz. como se pirilampos o cobrissem. para que na escuridão venhas ao meu encontro. e eu te possa dar colo. sossegar-te o coração com os meus grandes silêncios - o mundo que imagino nosso é feito de árvores altas. céu limpo. frutos nas mãos - se esse mundo existe. não sei. talvez só nos meus sonhos ou nesse outro lado da vida onde a felicidade se faz dos nossos corpos juntos - um dia. se a promessa se cumprir. serão mil e uma estrelas nos teus olhos. a iluminar a escuridão de quem não acredita no futuro. 









domingo, 17 de maio de 2015






ezgi polat









tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
herberto helder







tão dentro da noite. o corpo só. a despedir-se de todas as memórias possíveis - quis dizer: perdoa-me - mas o silêncio abandonou-me ao desespero de nunca mais saber de ti - sei que irás desaparecer. lentamente. mais dia menos dia. lembrar-me-ei devagar do teu rosto. adormecerei no azul escuro dos teus olhos. até que também eu desapareça para sempre - a pele tão quente. a alma tão fria. a quem darei a minha mão. que corpo apertarei com os meus braços. que coração dará sentido às minhas tão poucas palavras - o céu. já quase púrpura. quase rubro. despede-se também de mim. mas a luz não acaba e por dentro da escuridão brilham estrelas. tão fundas. encontram o meu coração e ali vivem para sempre - por fim a vida conhecerá o amor