quinta-feira, 20 de dezembro de 2012






laura makabresku











dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

al berto












um dia no corcovado pedirei a cristo que me mate de sol - somos feitos de água e o nosso corpo ao mar regressa depois da morte - nascemos em montes altos enormes. onde os braços das moças não chegam por serem pequenos. e somos sós - não entendo por que assim deixam morrer os corpos sós. sempre me disseram que havia um final feliz. e eu que acreditava em finais felizes vejo hoje que tudo apenas existiu pela força da minha fé - já os anos têm passado sem que me dê conta do tempo que já não vivo e. porque ao corpo não regressa a luz. encosto o ouvido às nuvens e sigo com os pássaros -




segunda-feira, 17 de dezembro de 2012








laura makabresku







quero dizer-te: não morras.
Nem me digas quem és, quem foste, como sabes
a língua que se fala sobre a terra.
Ao lume lanço
toda a vontade de viver, ser vivo,
a cautela do ar, ardendo em torno.
Passarei, terás passado em mim, só quero
dizer-te: não morras nunca, agora, nunca mais.

antónio franco alexandre







penso nos anos que viveste comigo e nos anos que vivi sem ti. concluo que a tua fé não te salvou e deus está morto. ou foi a minha fé que não me salvou da tua morte e deus vive ainda - são duros os dias na memória do teu rosto branco. pela lembrança da tua pele tão fria. e todos os invernos custam por haver dezembros. e todos os dezembros doem por haver dezoitos - sossega-me saber que são mais os anos que viveste comigo, por agora.












sábado, 8 de dezembro de 2012






laura makabresku










 Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente - o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. 
guimarães rosa 












 pela manhã quero acordar num espaço meu. onde o meu nome seja dito pela tua boca. num tom tão agudo que o silêncio mate o corpo - que o corpo morto não se lembre de nada. que as memórias doem forte na cabeça e no coração - não há amor. teimo em dizer-to - pela manhã as memórias doem no espaço que o teu corpo já não ocupa.





sábado, 1 de dezembro de 2012






laura makabresku 





 “Morrer é quando há um espaço a mais na mesa afastando as cadeiras para disfarçar, percebe-se o desconforto da ausência porque o quadro mais à esquerda e o aparador mais longe, sobretudo o quadro mais à esquerda e o buraco do primeiro prego, em que a moldura não se fixou, à vista, fala-se de maneira diferente esperando uma voz que não chega, come-se de maneira diferente, deixando uma porção na travessa de que ninguém se serve, os cotovelos vizinhos deixam de impedir os nossos e faz-nos falta que impeçam os nossos” 

 antónio lobo antunes 





 é dezembro e o teu corpo regressa dos mortos para junto do meu. avó. que ternura a tua de assim voltares de onde estás em paz - foi um golpe de frio nos pulmões e o corpo. já só osso e pele. num esforço último de resistência. deixou-se levar - lembro-me dos invernos que passei contigo. dos conjuntinhos de lã que me fazias com o vagar de quem conhece a morte e não lhe sabe fugir - queria agora um conjuntinho de lã que me aquecesse o corpo. que os dezembros estão cada vez mais frios - acho que foste feliz. que a vida não te fez mal - no inverno não deixavas a casa. o frio da serra metia-se nos ossos e impedia-te o andar. de xaile aos ombros ficavas a ver passar o tempo. de olhos mansos esquecias o futuro - sinto a tua falta avó e quando me falam de ti é como se morresses outra vez -