terça-feira, 25 de fevereiro de 2014






vancsó zoltán 
















Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente 
a de estar mais sozinho em meio de mais gente 
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente 
Emotiva atitude de quem age friamente 
inalterável forma de se ser sempre diferente 
maneira mais complexa de viver mais simplesmente 
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente 
de estar num sítio tanto mais se mais ausente 
e mais ausente estar se mais presente 
de mais perto se estar se mais distante 
de sentir mais o frio em tempo quente 
O modo mais saudável de se estar doente 
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente 
de mentir muito verdadeiramente 
de dizer a verdade falsamente 
de se mostrar profundo superficialmente 
de ser-se o mais real sendo aparente 
de menos agredir mais agressivamente 
de ser-se singular se mais corrente 
e mais contraditório quanto mais coerente 
A via enviesada para ir-se em frente 
a treda actuação de quem actua lealmente 
e é tão impassível como comovente 
O modo mais precário de ser mais permanente 
de tentar tanto mais quanto menos se tente 
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente 
de estar mais no passado se mais no presente 
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente 
de ser tão insensível como quem mais sente 
de melhor se curvar se altivamente 
de perder a cabeça mas serenamente 
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente 
de tanto desistir e de ser tão constante 
de articular melhor sendo menos fluente 
e fazer maior mal quando se está mais inocente 
É sob aspecto frágil revelar-se resistente 
é para interessar-se ser indiferente 
Quando helena recusa é que consente 
se tão pouco perdoa é por ser indulgente 
baixa os olhos se quer ser insolente 
Ninguém é tão inconscientemente consciente 
tão inconsequentemente consequente 
Se em tantos dons abunda é por ser indigente 
e só convence assim por não ser muito convincente 
e melhor fundamenta o mais insubsistente 
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente 
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

ruy belo








com vinte e seis não sei se existo ou se existes - nosso amor é um tríptico - pergunto-me quantas ipanemas serão precisas para que resista. quantas tentações teremos de enfrentar - o deserto onde regressamos quando os corpos se ausentam faz antever a tristeza - se fosse como partir talvez a pele se despedisse do corpo. talvez por fim meus braços te encontrassem para um abraço e minha boca te socorresse de beijos - se fosse como partir e nenhum de nós ficasse onde a vida permite - tanto te quis dizer que  minha língua matou-se. nem silêncios a salvaram - meu mundo é o mesmo. minha vida é outra. meu amor é maior - 










segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014







ann he












De repente
como uma flor violenta
um homem com uma bomba à altura do peito
e que chora convulsivamente
um homem belo minúsculo
como uma estrela cadente
e que sangra
como uma estátua jacente
esmagada sob as asas do crepúsculo
um homem com uma bomba
como uma rosa na boca
negra surpreendente
e à espera da festa louca
onde o coração lhe rebente
um homem de face aguda
e uma bomba
cega
surda
muda

antónio josé forte 









dos lugares que habito a casa é o mais inteiro -







sábado, 22 de fevereiro de 2014






mariam sitchinava














Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos,
mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

eugénio de andrade










que seja como partir e o corpo nem o perceba - a noite é tão negra que o meu coração um corvo - que a vida não incomode e a pele apenas respire - nenhum mal do mundo me condene - que a tua boca me venha buscar como a um segredo. que a tua voz repita o meu nome. que nada pese. que as mãos não voltem - e se a saudade te perturbar demorar-me um pouco mais - em dias tristes regressamos aos dias imensos onde fomos felizes.





terça-feira, 18 de fevereiro de 2014






laura makabresku
















Eu disse tudo, mas não no lugar certo.
Em cera e em metal, por mãos de gente
e estojos de veludo me deitei
e quantos me tiveram sabem quanto
amei e amo a foice do teu rosto,
os cinco ou mais sentidos que me dás.
Um sopro humano, a boca, um coração,
me tocam e alimentam, como antes
águas de chuva no lazer do pântano
quando o vento passava nos pinhais;
sou teu igual, não mais, e no meu corpo
inteiramente novo é que perdura
a liberdade, glória do teu canto.
Desejo meu, em tua sede habito;
meu mestre, escravo, amante, pois servimos
no mesmo chão o mesmo antigo lume.



antónio franco alexandre















foi me dito que o mundo seria consoante os sonhos que temos. a esperança que mantemos. nunca ninguém me disse que os sonhos e a esperança corriam risco de vida - com uma navalha na nuca. assim segue a minha ideia de futuro - têm dito que sou jovem. que ninguém sabe o dia de amanhã. que a vida dá muitas voltas. que o mundo ainda demora - queria dizer-lhes que não sei. não sonho. não esperança. nem sei porque o mundo se demora quando o meu coração tão frio. quando a minha vida tão só - queria dizer-lhes que sofremos de uma tal falta de autoconsciência que assim vamos num campo de minas. correndo com a arma ao peito - foi me dito que havia um lugar para mim nos braços de alguém. que outro corpo me esperava - são meus braços. meu corpo. meu sangue que o chama. fora de mim só existe o que os meus olhos querem ver. o resto será mentira - nenhum homem do lado de fora. nenhum homem do lado de dentro. neste país as mulheres andam tristes porque nenhum amor as chama.só o sangue por dentro recorda os seus nomes. e a medo vão. e são esse campo de minas porque onde vão os que como eu não sabem que a dor só existe por os olhos a querem ver -






















terça-feira, 11 de fevereiro de 2014







laura makabresku













Corpo corpo
que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa

abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado

mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas

levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo


al berto






pouco depois alguém grita - apercebo-me que já cá não estás. nem o teu corpo me visita. que mãos faltam nas minhas. que olhos os meus não olham. que pele não sabe. que vida. que mundo. que - o sentido do mundo é a existência de alguém que amamos - nenhum tempo é nosso. nenhum lugar conhece a nossa história. por não haver já tempo ou história que nos pertençam. e sermos um país que o universo esquece à força do sonho - o que de ti existe é esta memória: teus lábios em carne viva. tua boca à espera. teu rosto pálido e esse corpo. que nenhuma palavra poderia pronunciar sem que perdesse um pouco de beleza - o que te quero dizer. por muito que doa. é o grito - como quem parte para sempre - nenhuma paz existe sem ti. nenhum sinal de vida - nem as nuvens são já capazes de precognizar bom tempo. nem a terra nos constrói já ilhas ou continentes inteiros. nada existe fora sem que eu o sinta. e o teu rosto lateja no meu coração à cabeça - que morte dura a vida. que vida - pouco depois talvez alguém mencione de que matéria se constrói a ausência. com que penas se refazem asas. para que lado do céu hiberna o pássaro -













domingo, 2 de fevereiro de 2014














laura makabresku



Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

antónio josé forte







insisto no teu nome como se os outros nomes não tivessem vida. só o teu - um dia disse aos homens que o mundo era um corpo sem nome. se assim fosse nenhum nome seria teu. nenhum mundo meu. nenhuma vida - de braço dado ao peito. sei do coração. como um espaço vazio onde guardamos memórias que nos fazem felizes - quando for grande quero ser um barco. uma ilha. um nenúfar. um nome - como se te dissesse calmamente que nos esperam dias melhores e partir.