segunda-feira, 25 de julho de 2011



































Le soleil, sur le sable, ô lutteuse endormie,
En l'or de tes cheveux chauffe un bain langoureux
Et, consumant l'encens sur ta joue ennemie,
Il mêle avec les pleurs un breuvage amoureux.

De ce blanc Flamboiement l'immuable accalmie
T'a fait dire, attristée, ô mes baisers peureux,
« Nous ne serons jamais une seule momie
Sous l'antique désert et les palmiers heureux! »

Mais ta chevelure est une rivière tiède,
Où noyer sans frissons l'âme qui nous obsède
Et trouver ce Néant que tu ne connais pas.

Je goûterai le fard pleuré par tes paupières,
Pour voir s'il sait donner au coeur que tu frappas
L'insensibilité de l'azur et des pierres.


tristesse d'été de mallarmé









tinha para dizer-te outro verão. mais quente. menos só. mais quieto. menos vento - um onde coubessem os nossos braços. que de quatro se fizeram dois. tão sós. tanto - tinha para dizer-te lugares mais felizes. árvores com troncos altos. ramos soltos. folhas verdes. cheiro a terra. verde-mar. sem algas. sem sal - lugares de histórias. amores imensos. sorrisos ternos. sossego - nenhum verão assim te darei. por não serem minhas as estações mansas - desculpa.

















quarta-feira, 20 de julho de 2011



























jakob landvik







E tantas tantas tantas ilhas
no mar que não nos limitasse
Como deixar-vos se na linha
deste horizonte aquela praia
tão de repente se aproxima
tão de repente se me escapa
Jorram vulcânicas as crinas
de récuas de éguas subaquáticas
Jorram do fundo. E à superfície
crescem as ilhas assombradas
Eis que de longe lembras liras
mas entre as ondas só navalhas

david mourão ferreira






dos dias serem fundos na garganta quando seca - por falta de água o corpo morre de luz ou calor. a pele envelhece o músculo até ao osso. estou só - talvez mais tarde me lembre da cor dos teus olhos enganando o vento e a precipitação - as planícies são no fundo uma garganta sem fim aparente e quando a boca fecha não há ar que as salve. queria salvar os teus braços como quando num abraço me disseste que a vida nunca acaba. queria enganar a saudade. mudar de posição o corpo. voltá-lo para a sombra - já tarde vai o coração quando adormeço e ninguém está. não há regresso.











sábado, 16 de julho de 2011






































margaret durow





O teu corpo é um território sim
deixa-me pensar que é assim e
assim o percorro em círculos
não o percorro sim apenas nele
sinto texturas cores cheiros ecos
mas penso em obstáculos não
não digas não é um território é
digo eu e digo e com fronteiras
por isso a progressão deve ousar
também não se pode parar não
há tempo o que falta não é tempo
não existe fim para esta expedição.


carlos alberto machado






ao teu corpo escrevi odes - eu sei. a pele treme. é de facto a hora de partir. já de facto não nos resta tempo. estivemos tão perto um do outro e tão pouco dissemos - palavras são tão importantes como água. e tu sabes como gosto de água - mais tarde que me lembres em dias felizes. sempre estarei contigo. até ao amanhecer o tempo é todo nosso. embora saiba que mundo é este onde todo o corpo dói - o que quis dizer-te foi como dói. em que dias de tão forte a dor o encolhe. em que dias minga e fica tão pequeno tão pequeno - o corpo é pequeno e o coração tão grande.




















segunda-feira, 11 de julho de 2011

































Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama.
De doces mãos irreprimíveis.
- Sobre os meses, sonhando nas últimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.


herberto helder








é tempo. as águas estão perdidas. os rios já partiram. os mares serão para sempre teus - que deus é este que deixa assim acontecer as coisas. morrer os pássaros. mingar as árvores. florir o corpo. cair o coração. que deus é este - é tempo agora de entender o teu nome. vestido de todas as ruas. nome de pedra.pedaço de chão onde deitar o corpo. todo - silêncio. ainda te espero - que deus é este que me devolve à vida. sem ti. por que raio de sol caminho ainda. por quem. para onde. que nenhum mundo fará agora sentido. que rumo dar às lágrimas - por dentro de água vou. ando. estou ferida.












sexta-feira, 8 de julho de 2011































sebastião salgado











Mãe: Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio

Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!

miguel torga







se te perdesses mãe. ao menos que fosses de encontro ao sol. que habitassem os teus braços raios de luz fina e forte. que incendiasse os olhos e ardesse no coração. como palavras que se dizem: mágoa. pânico. regresso - quero regressar com os ventos quentes. de continentes que nunca viste por te terem crescido árvores nos olhos - que no teu rosto nascesse água. crescessem os rios. e a tua pele pálida na contraluz da fotografia mente. como sempre mentiu: quero um futuro nosso - eu quero mãe. quero que encontres a o sol.







quinta-feira, 7 de julho de 2011














Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?

eugénio de andrade







dar à terra o coração. que a morte é bela onde o corpo cria raízes - só queria que fosses feliz. que como as aves voasses . que do corpo conhecesses bem a ausência e a solidão - faz do teu peito um alarme de tragédias e não chores. quando eu morrer construo uma cidade de nuvens - seremos felizes. tu sem chuva eu dentro dela - que no fim saibas de mim nos dias de calor. todos os dias - farei um mundo quente que arderá nos lábios como um beijo. como todos os beijos que te dei - que saibas que eram minhas todas as florestas do mundo. e todas as flores crescerão para a terra - quando eu morrer que te tenha criado raízes.


















































As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada

al berto







sabes. fomos quase felizes. faltou um bocadinho de céu e o tempo. todo o tempo. tinha feito sentido. faltou só um bocadinho. às vezes ainda ouço a tua boca: regressa que amanhã é sexta-feira e as árvores vão embora. as árvores nunca foram embora. só os teus braços partiram - o corpo que foge - era tarde e fomos quase felizes. faltou à cara a insistência da boca - às vezes era como se sorrisses e ainda assim faltava aos lábios a força dos oceanos. não conheci os teus dentes - só um olhar muito tímido. medo ao futuro.talvez o mar manso - trago nos braços um mundo novo. só existe neles. tão dentro a pele o criou que não há olhos que o vejam. era para ti -







terça-feira, 5 de julho de 2011

















e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia

al berto



- teu nome de ave dá pena ao meu. não ter-te perto dói. porquê. porquê morrer - que grandes voos te reservam as asas. que noite é esta onde te espero ainda. por que céu andas tu. se andas. se há céu - teu nome era grande. meu corpo todo cabia nele. esticado. estendido. como roupa que seca molhada na corda - e dizer-te outras palavras mais sábias e inteiras. que se dizem quando a vida já não faz sentido e é um absurdo esperar dias felizes. por se ser triste - eu sou triste -










sexta-feira, 1 de julho de 2011







































deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.


al berto














o que sinto. às vezes é como se os braços caíssem e doessem tanto no chão que fosse impossível estar quieta. e o corpo anda às voltas. às voltas. e o tempo não passa. e dói por dentro. ter o mundo às voltas e a cabeça tonta e o corpo quase morto. às vezes tenho a sensação de que um bando de pássaros me ocupou o coração e as crias o comem. todos os dias. não sei se perco o pouco coração que tenho. agora pouco interessa. quero dizer: não me deixes nunca mais - e já não voltas. e é tarde nos beirais das janelas de todas as casas voltadas para o mar. faz deserto na praia - eu estou sem graça.