segunda-feira, 16 de abril de 2012









annette pehrsson











As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

ruy belo





a poucas horas do teu aniversário. leio. foi o que a vida quis das minhas noites - às vezes. tu não sabes. voo. livres asas ao vento. rumo ao futuro - quero que sejas feliz. que continues a existir para lá das histórias - era uma vez um menino homem que queria ser pássaro ... - tu sabes o que penso a poucas horas do teu aniversário - e se quiseres amanhã será um dia como os outros. com vinte e quatro horas e mais companhia para o jantar - gostava de dizer-te outras coisas bonita mas tu já conheces os pássaros do ruy e a beleza do herberto - amanhã encontramo-nos na margem da alegria











domingo, 15 de abril de 2012
















laura makabresku







Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito de cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas


ruy belo




não acredito no futuro. há muito que deixei de lutar por ele. luto pelo presente. porque os dias mais belos são esses onde construímos casa e existimos para sempre - o presente é nosso. o futuro não acontece. existe para termos esperança. e a esperança é o consolo dos frágeis - sou frágil. por dentro da pele nenhum presente se vive porque o coração não renuncia à esperança - gostava de inventar dias mais felizes - às vezes. fico neste estado amorfo. e a vida passa por mim e eu sem gesto. nem palavra. nem silêncio - às vezes não existo. estou sem esperança. vou para longe -













segunda-feira, 9 de abril de 2012
















annette pehrsson










Ando humildemente nos arredores do verbo
Passageiro num degrau invisível sobre a terra
Nesse lugar das árvores com fruto e das árvores
No meio dos incêndios
Estou um pouco no interior do que arde
Apagando-me devagar e tendo sede
Porque ando acima da força a saciar quem vive
E esmago o coração para o que desce sobre mim
E bebe

daniel faria







no verão. deito-me nas heras. cara voltada para o sol. até me derreter o coração - quando não faz sol tenho frio e dói-me todo o corpo onde o sol não bate - a pele nos ombros é mais dura. é por onde caem as lágrimas - toda a minha vida encontrei o verão. as amoras. os dias longos e calmos onde me sorrias - toda a minha vida - um dia vão dizer que morri de sol. de luz. de paz. de dias. de água - de frutos.










sábado, 7 de abril de 2012










Wai Lin Tse








Ao nível do mar
como o nome da flor do vinho
murmurado entre relógios de carvão
escrito devagar na cal do silêncio
como o lençol de púrpura
no peito dos amantes
de costas para a morte
ao nível do mar
como um cardume de palavras cintilantes
no horizonte de cinza e de pavor
como um cavalo branco toda a noite
de estrela para estrela
ao nível do mar
como a flor que se abre na boca dos suicidas
um homem
ferido de morte
vai falar

antónio josé forte











nas noites da minha infância faço ninho. como os pássaros regresso com o tempo quente às planícies da ausência onde cresci - são verdes os campos e há um cheiro forte a terra na pele - naquele tempo acreditava nos sonhos. que os havia de realizar a todos. que os meus amigos haviam de me acompanhar pela vida fora. e como um bando de pássaros fugiram. os amigos e os sonhos. hoje nem sei se os tive - naquele tempo sabia de cor o nome dos meses. que em abril era a páscoa e que me davam amêndoas. hoje nem sei se as há - o futuro é esquecer o nome dos meses. da páscoa e das amêndoas. e fazer dias de nada como quem foge à saudade de sonhos que não teve.



















parker fitzgerald









O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
«Mudança possui tudo»? Nada muda
nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios da vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma
De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida

ruy belo





é por ser de chuva que o coração chora. não por ser sábado e doer a pele. não por ser sábado e doer a pele. é por ser de chuva - o que esperava do mundo. ainda ontem o pensei. só um raio de sol onde enxugar o coração. uma queda de água onde lançar o corpo. um pedaço de céu onde deixar a cabeça. limpo e sem nuvens - a terra é este tempo de não ter sonhos. nem nada - e só uma esperança muito ténue me impede de ir - este país de cinza.







segunda-feira, 2 de abril de 2012










Wai Lin Tse

















Em silêncio descobri essa cidade no mapa
a toda a velocidade: gota
sombria. Descobri as poeiras que batiam
como peixes no sangue.
A toda a velocidade, em silêncio, no mapa -
como se descobre uma letra
de outra cor no meio das folhas,
estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota
sombria num girassol. -
essa letra, essa cidade em silêncio,
batendo como sangue.


herberto helder




meu bom amigo. por caminhos do sul te levam agora os passos que nem a água te conhece o corpo - é porque inventas flores que existes na primavera. ou a dor de r. não era. nem dor nem r. existira - só os sonhos e uma nesga te luz te esperava. era tarde na tarde e as letras haviam morrido - meu bom amigo. que palavras não existiram até provocarem o teu nome e o mundo era um pedaço de terra voltado para norte