segunda-feira, 22 de janeiro de 2018





teresa q.















Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

ferreira gullar




sobra-me o vento. falta-me o ar. estou na beira do penhasco mais alto da serra de sintra. já não sei voar - recordo-me dos precipícios de cesariny. quero morrer como as nuvens. perder forma. dissolver-me para sempre - por vezes tento a sorte. lanço-me às árvores. faço-me raiz do mundo. perco as sombras. outras vezes é o teu nome que me visita. consome - quero dar largas à realidade. fazer-me margem. voltar-me inteira. quero partir. de dentro para fora. reaver-me - mantenho-me ocupada. imagino como seria. dou voltas e voltas na rua de cima - quero alguém que me espante como um poema. que não principia nem acaba - regresso das nossas conversas sempre com o peito aberto. coração fora. cabeça adentro - quero escrever a eternidade em cada pulso. a eternidade é não saber de nenhum futuro - esqueço-me do mundo. lembro-me de tudo. só para me fazer ao largo. andar direita. ganhar pinta. ser senhora - um dia serei eu a obra. a manifestação plena do sonho. por agora nunca.