terça-feira, 9 de novembro de 2010









































Haverá noite para este dia digam-me, uma altura em que deixo de distinguir o salgueiro e depois do salgueiro a janela, os móveis desaparecem porque não acendemos a luz, ficam as pegas de metal a brilhar um momento, um frémito nas portas que ninguém gira, os meus irmãos procurando-se e eu em busca da saída dado que principiaram as dores e não acho o caminho da rua, apercebo-me do alpendre onde a lanterna baloiça na corrente, ao regressar ao baldio via-a na esquina e acalmava, estou a chegar, estou em casa, não me fazem mal já, o quintal fechava-se- -me sobre o corpo e escondia-me, nenhuma cólica, nenhum suor, a paz e com a paz a indecisão da madrugada no peitoril
- Nasço não nasço?

antónio lobo antunes











Este inevitável vazio
das coisas, a sua falta
de relação com as nossas expectativas
e a esperança com que as
definimos, não é um vazio
passivo; sussura, reclama que
a pedra continue a ser pedra,
que o vertical, o instantâneo,
continue a incidir sem violência
sobre o horizontal. O permanente,
então, resistirá com a paciência
própria do alheio, do que já
não importa, explicando-nos de novo
as primeiras ligações para que não
mais esqueçamos que a água
é a pedra mais dura.

mariano peyrou











Penso às vezes que chegou a hora de estar calado.
Pôr de lado as palavras,
as pobres palavras usadas
até ao fio,
vexadas uma e outra vez
até perderem
o mais leve sinal da sua intenção primitiva
de nomear as coisas, os seres,
as paisagens, os rios
e as efémeras paixões dos homens
montados em seus corcéis
que a vaidade aparelhou
antes de receber a curta,
a irrebatível lição da tumba.

Sempre os mesmos,
gastando as palavras
até não poder, sequer, orar com elas,
nem exibir os desejos
na parca extensão dos sonhos,
seus mendicantes sonhos,
mais propícios à piedade e ao olvido
que ao vão estertor da memória.

As palavras, enfim, caindo
ao poço sem fundo
onde vão buscá-las
os enfatuados tribunos
ávidos de um poder
feito de sombra e desventura.

Imerso no silêncio,
mergulhado em suas águas tranquilas
de levada que detém o seu curso
e se entrega ao imóvel
sossego das lianas,
ao imperceptível palpitar das raízes;
no silêncio, como disse Rimbaud,
há-de morar o poema,
o único possível já,
lavrado nos abismos
onde tudo o que é nomeado
perdeu há muito tempo
a menor ocasião de subsistir,
de instaurar sua estéril mentira
tecida na trama rala das palavras
que giram sem descanso no vazio
onde se perdem
as néscias tarefas dos homens.
Penso às vezes que chegou a hora de estar calado,
mas o silêncio seria então
um prémio desmedido,
uma graça inefável
que eu não creio ter ainda alcançado.


álvaro mutis













Sem comentários:

Enviar um comentário