domingo, 10 de abril de 2011


















Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

eugénio de andrade






era como se o corpo abrisse. osso por osso. e ver desaparecer-lhe dentro o universo. estrela a estrela. passavam por mim vestidas de noite. as mulheres. com cestos à cabeça e aventais de bolsos grandes. onde dormiam gigantes. quero contar-te dos meus fantasmas. o meu quarto é o único da casa. pequena. voltada para as nuvens. o vento que passa. ligeiro de manhã mais forte à noite. não fala. desses ventos calados de norte. e é deserto. areia grossa. daquela que arranha os pés. sangro. que dores fundas estas que me deixas. se me levasses ao colo. podíamos ir de encontro ao sol. morrer de luz. fazer de nós boas memórias. felizes. memórias que não morram. como os rostos jovens em fotografias. memórias. para sempre. entre uma invenção de madeira clara. que o corpo adormecesse em paz. quieto entre um lençol e outro. como se dentro de água fosse descendo o rio. e à boca do mar atracasse num ramo e ali ficasse para sempre. ninguém saberia de mim. só mais tarde lembrariam o teu nome como um dos que eu amei. sossegado no meio da minha vida à espera que alguém nos invente uma história feliz. não quero morrer assim. longe de ti.









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