quarta-feira, 17 de outubro de 2012





mark sink 







Fica comigo. Daqui a nada é noite e as noites custam, a mim custam, sobretudo quando os candeeiros da rua se acendem e as árvores e os prédios fronteiros logo diferentes, quase ninguém na rua, um miúdo com um cão lá ao fundo, uma tristeza parada na tonalidade do silêncio, estes móveis e estes retratos que não me ligam nenhuma, os teus passos na escada, tu no passeio: nem vou à janela olhar, não quero olhar. Fica comigo só mais um bocadinho, dez minutos, meia hora, sei lá, o tempo inteiro. Mesmo que não fales. Mesmo que leias a revista do jornal. Mesmo que não me toques. Mesmo como se eu não existisse. Há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, a voz da minha mãe, do fundo da infância.

 - O que se passa contigo?


antónio lobo antunes






 há dias assim. nada me assenta bem. nenhum sapato me serve. nenhuma ombreira de casaco - os pulsos doem-me. os pássaros migraram. a chuva voltou. por cima dos telhados um caudal de água e a certeza. quase absurda. de existir - a existência é este saber-se submerso e só no mundo - quero dizer baixinho. para que ninguém ouça. que este corpo não é meu. nem são meus os ombros que não assentam nos casacos nem estes pulsos - que mundo é este onde me meteram sem que eu soubesse e. agora que o descubro. que corpo é este onde dou comigo -




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